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Ah! Que dia lindo! - Espreguiçava-se o padeiro ao abrir seu estabelecimento. A barulhenta porta corrediça terminou seu caminho para o teto quando seu Manoel pegou a vassoura para começar a varrer a calçada. Ainda era cedo e o ar ainda tinha gotículas de água trazidas pela maresia que ventilava toda a vila como todas as manhãs. Escutando mais uma porta se abrindo, o padeiro acenou para seu colega do lado oposto à rua num cumprimento educado e continuou seus afazeres quando alguém se esbarrou nele, fazendo a vassoura cair no chão. "Mas que demônios!" - Pensou o homem quase não vendo quem era o estabanado quando o garoto dobrou a esquina com muita pressa. Seu Manoel logo percebeu quem era e agradeceu aos deuses por não ter machucado o garoto. "Essa foi por pouco." - Pensou aliviado. Enquanto isso, ofegante, o menino dobrou mais uma esquina e desembocou na descida principal até a pensão onde lhe indicaram. Estava numa missão e precisava entregar a mensagem de qualquer maneira. Sua função e orgulho dependiam disso.
Olhando do alto da descida para seu destino, ele ziguezagueou por entre os inúmeros comerciantes que acabavam de montar suas barracas de venda até que enfim chegou à porta do prostíbulo. Inclinando-se para frente, o jovem tentou buscar ar, mas demorou alguns segundos para conseguir sequer falar. Vendo a porta trancada, ele levou as mãos juntas numa cadeia de palmas tentando chamar a atenção de quem quer que estivesse dentro do local. Ninguém atendeu. Suando frio pelo cansaço, mais uma vez tentou chamar a dona do local com gritos e batidas na porta. Porém, mais uma vez ninguém atendera até que... -
O que você quer?! Quem está aí?! - Gritou uma voz rouca de mulher, do alto da sacada onde o menino batia. Olhando para cima, o garoto encarou a gorda com um sorriso forçado e teve certeza de que fora reconhecido pela mulher, pois esta arregalou os olhos remelentos e se apressou para descer as escadas e recebê-lo como deveria. Logo o ruído de cinco trancas estalou até que a grande porta de madeira finalmente abriu.
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A que devo a honra do filho do grande Nero em minha humilde pensão? - Disse a mulher com seu hálito que cheirava a anchovas e saquê. Arrastando-se pela porta, o garoto sentou-se pesadamente na primeira cadeira que viu e pediu um pouco d´água antes de dizer a que veio. A gorda fez uma careta e sumiu em direção à cozinha. Olhando em volta, o garoto se lembrava de que de todos os estabelecimentos da vila, somente aquele pagava os impostos em dia e por isso quase nunca teve a oportunidade de entrar no local. Talvez por causa de sua pouca idade, ou talvez porque seu pai numa o tivesse deixado se misturar com esse tipo de plebe, porém ele tinha a mensagem para entregar e logo a comitiva estaria à frente da pensão para a reunião desejada. Mas enquanto a mulher lhe conseguia água, ele estudava o local com grande curiosidade. Nada demais. Algumas mesas e um balcão onde as bebidas ficavam. outros "boxes" nas laterais comportas corrediças para manter a privacidade de quem ali estivesse. Nada demais. -
Não sei por que papai ainda não me trouxe aqui. - Reclamava em sussurro ao ser interrompido pela mulher com seu copo com água nas mãos.
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Papai não recebeu o lucro de ontem das lutas. - Falou o menino após um grande gole.
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Percebi. Principalmente porque os responsáveis estão lá em cima. - Entregou sem qualquer cerimônia.
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Meu pai está vindo aí. Prepare uma recepção para ele. - Comandou, com um sorriso matreiro.
A gorda gelou. O próprio Nero estaria em sua porta em poucos minutos. O dono da Vila estaria em seu estabelecimento em alguns minutos. "Ai meus..." - Exclamou, soltando um suspiro de susto e desespero. Foi quando o garoto a viu correr de volta para a cozinha donde escutou mais gritos furiosos e reclamações das outras camareiras que pareciam ter acordado naquele momento. Júnior achou engraçado toda aquela baderna e terminou de beber sua água calmamente com os olhos vidrados em duas garotas seminuas que desciam das escadas com sinais claros de ressaca no rosto. -
Andem suas estúpidas! - Comandava a mulher que agora juntava as mesas enquanto outra jovem já forrava com um belo tecido. De repente, mais passos foram ouvidos e agora uma dezena de garotas desarrumadas e ressacadas corria de um lado a outro num trabalho coletivo para que em poucos minutos todo o salão estivesse arrumado. Aquela logística deixaria o menino admirado se não fosse pelas repetidas tentativas dele em ver as curvas das garotas enquanto elas arrumavam o local com seus hobbies folgados e curtos.
Era um prato cheio para um adolescente que acabara de descobrir o que havia de melhor: Garotas. E enquanto suspirava em pensamentos tórridos, uma grande movimentação do lado de fora do cortiço acordou o rapaz, que se levantou e abriu a porta de madeira para revelar que a comitiva havia chegado. Perfilados e uniformizados como num exército, os homens de seu pai cuidavam da segurança do Buraco mediante uma quantia paga por todos os comerciantes. Uma das rendas que tinham. -
Agora estás feliz por ter acordado tão cedo, não é Lian? - Comentou Nero ao descer de sua cabine móvel. O garoto corou, respondendo apenas com um sorriso chocho no rosto ao fazer reverência. Com seu famoso uniforme militar da época em que trabalhava para o País do Vento, Nero terminou os degraus de sua carruagem e adentrou no recinto acompanhado apenas de seus quatro mais leais seguranças. Olhando em volta, ao ver o local arrumado para sua chegada, Nero afagou a cabeça de seu filho com carinho, convidando-o para acompanhá-lo.
Lian aprumou o corpo e caminhou com seu pai até a elegante mesa que fora especialmente arrumada. Foi quando a comitiva escutou pesados e apressados passos pela escadaria abaixo. -
Bom dia... Ilustre Feitor. A que... Devo a honra? - Ofegava a mulher que acabara de se arrumar e descer para recepcionar os presentes. Ainda com hálito com certo teor alcoólico, ela estava vestida com um gigantesco manto de cor azulada com desenhos em vermelho que se parecia com tigres espreitando uma gazela. Com seu colarinho sujo de pó, seu rosto estava branco por tanta maquiagem exagerada, além de seu cabelo viscoso que estava amarrado num coque no alto da cabeça. Foi o máximo que conseguiu numa arrumação acelerada. Nero sorriu educadamente e lhe pediu vinho e alguma carne seca. Um pedido extravagante mesmo para àquela hora da manhã. A mulher se apressou para comandar as duas criadas que acabavam de chegar, quando mais uma vez sumiram pela porta da cozinha.
Espreguiçando-se no banco de madeira, Nero olhou para os seus seguranças e apontou para o alto. -
Vão buscá-los para mim. - Sussurrou, mantendo seu sorriso sincero no rosto, afinal, os dois que lhe causaram prejuízo logo conheceriam quem comandava a vila. Acenando numa reverência, os quatro sumiram em shunshins e desapareceram pela escadaria assim que as mulheres retornaram com o exótico pedido. Nero agradeceu com um olhar malicioso na direção da mais jovem criada que corou ao vê-lo despi-la com os olhos. -
Se lhe é do agrado, faço um bom preço. - Interrompeu a cafetina tentando quebrar o silêncio incômodo. Lian olhou para seu pai com uma careta pela indelicadeza, mas antes que o pai pudesse responder, ouviram-se barulhos de pesados passos e móveis sendo arrastados, além de vidros se quebrando e gritos femininos. Uma verdadeira confusão.
Logo, a gorda e suas criadas se assustaram com todo ruído quando viram um grupo de mulheres seminuas correndo escada abaixo seguida de mais um homem magro e outro jovem loiro que eram empurrados pela escada pelos seguranças. Com tremenda ressaca, Daisuke e Joshu mal conseguia entender o porquê daquela brutalidade. -
Vocês sabem... Quem sou eu!? Sou Saru, o lutador! - Gaguejou o loiro com ânsia de vômito. Enquanto isso, seu empresário cambaleou pelos últimos degraus e estancou com olhos arregalados. Na sua frente, estava Nero e seu filho, sentados à mesa com olhos fixos nos dois. "Estamos mortos!" - Concluiu o magro, tentando dar um passo em recuo sendo logo impedido por Daisuke que trombava nas suas costas. -
E então? Quem são estes idiotas!? - Gritou o nukenin com os olhos remelentos e entreabertos pela dor de cabeça. Aquele comentário pareceu ter ofendido o filho do chefão e seus seguranças, que os empurraram abruptamente até a mesa. Uma vez sentados, Nero deu um grande gole na sua taça e demorou a olhá-los diretamente, tentando apreciar o vinho antes de começar com os negócios.
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Desculpe meu lutador, nobre Nero. Ele é novo na Vila. - Desculpou-se o empresário.
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Contanto que paguem pelo uso da arena, não me ofenderei. - Retrucou sorridente.
CONTINUA...