Mal conseguiu dormir tentando buscar uma posição confortável. Pendurado há cerca de dois metros do assoalho, numa das dezenas de redes que eram presas às vigas de sustentação do navio, Daisuke se sentia espremido naquele compartimento de carga mal ventilado. Acompanhado pelo resto da tripulação que não ligavam para a higiene, seus companheiros piratas fediam à anchova passada e rum. Aquilo era tão incômodo que perdera a conta de quantas vezes havia subido ao convés na tentativa de pegar uma brisa. Até que tentou dormir na parte de cima, mas era arriscado demais, já que seu corpo poderia facilmente deslizar até o parapeito vazado. -
É melhor isso do que acordar nadando no meio do alto mar. - Tentava se convencer, mas isso era uma tarefa hercúlea diante dos sucessivos roncos, arrotos e peidos que impregnavam o lugar.
Jogando o fino lençol sobre o nariz, o loiro já começava a sentir os efeitos do enjoo marítimo de que tanto falam, mas tinha certeza que este tinha origem nas condições em que tentava dormir. Ansioso e já estressado, Daisuke saltou de sua rede mais uma vez e procurou sua mochila. Tateando no escuro o setor de bagagens, ele encontrou sua mala e a abriu em silêncio para não acordar nenhum curioso e logo abriu um sorriso quando alcançou a caixinha metálica que escondia a solução para uma noite tranquila. Buscou apenas uma dose, deixando a mochila na mesma posição ele retornou a rede e olhou para o teto que de seu ponto de vista balançava enquanto navegavam. "Vamos fazer esse sofrimento passar." - Pensava ao rosquear a proteção para a agulha e injetar o líquido em seu peito. A sensação de bem-estar invadiu seu corpo, sobrepondo-se aos efeitos desagradáveis do recinto até que fechou os olhos por um momento e dormiu...
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Vamos lá, cambada! Hora do desjejum! - Gritava o cozinheiro.
Foi exatamente a sensação que Daisuke experimentou: Acabara de dormir para já ter que acordar. A agonia de se mover era terrível, principalmente porque seu enjoo aumentara de maneira quase insuportável. Sua cabeça girava como nunca, fazendo-o lembrar de suas noites de farra e bebida. -
Olha só, o rapaz está mais pálido do que de costume. - Provocou um dos piratas que gargalhavam pela situação em que o jovem se encontrava. Sem responder, Hiroshi se esforçou para se levantar, usando mais o seu orgulho do que seu próprio corpo e cambaleou até o banheiro que não era mais do que um cubículo com um buraco por onde a água do mar espirrava. Ele nem teve tempo de apreciar a higiene do cômodo, debruçando-se sobre o buraco para tentar colocar para fora o que nem tinha comido.
Do lado de fora, os piratas mais atrasados ainda gargalhavam pela agonia do rapaz que sequer imaginava em querer comer alguma coisa. O orgulhoso loiro fora derrotado pelo balanço do Yukikaze. Ofegante após as sucessivas tentativas de vômito, ele sentiu a brisa que vinha do buraco da latrina que ficava há alguns centímetros do nível do mar e tentou se recuperar olhando enfim onde estava. O banheiro não era nada luxuoso, mas pelo menos o cheiro parecia ser melhor do que dentro do bagageiro de carga onde passou a noite. Percebendo que todos os bucaneiros já tinham subido para o café da manhã, Daisuke cambaleou para fora do banheiro e cobriu a cabeça com seu lençol, procurando os degraus para sair daquele antro e ganhar o convés onde os piratas retardatários ainda aguardavam na fila. Não precisa dizer que sua aparência doentia foi motivo suficiente para ser motivo de chacota.
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Olha só a sacerdotisa! - Brincou um deles, vendo a sua vestimenta.
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Que tal uma bolsa de porco malpassado? - Gargalhou outro.
Touchê. Porco malpassado. Daisuke lembrou que já havia comido aquela iguaria preparada pela dona da pensão. Cheio de vísceras cozidas no vapor. Seria gostoso se não estivesse tão enjoado. Foi por isso que derrubou o cobertor e correu para a beirada com ainda mais ânsia de vômito sob as gargalhadas incessantes dos bucaneiros. Hiroshi queria morrer. Já tinha perdido as esperanças de bem-estar quando o cozinheiro se aproximou com um copo na mão. -
Tome esse chá. Vai melhorar. - Concluiu ao entregá-lo ao garoto. Aquilo poderia ser até veneno, mas o loiro buscou com grande voracidade, bebendo-o em poucos goles para acenar positivamente em agradecimento ao gordo. E por incrível que pareça, o chá não demorou em fazer seu efeito no estômago vazio do rapaz, que agora conseguia se colocar de pé sem cambalear.
As ânsias passaram rapidamente e assim conseguiu sentar-se para se recuperar aos poucos. Parecendo entender a agonia do nukenin, Kizou, o cozinheiro, ainda se aproximou com um prato de sopa com pão seco para ele comer. -
Precisa comer para melhorar. - Disse enquanto deixava a comida ao seu lado. Sentindo que o enjoo o abandonava, Hiroshi buscou o prato e conseguiu comer vagarosamente até terminar sua primeira refeição do dia. Olhando para sol, ele sabia que já seria perto das sete horas da manhã, uma ótima hora para começar seus ensinamentos ao playboy. Mas onde ele estava? Haviam se separado na noite anterior e até então não o vira. Tendo dificuldades em se levantar, ele se apoiou nas cordas do amparador e perguntou aos piratas mais próximos onde seu pupilo estava. Os piratas fizeram uma careta e apontaram uma das principais cabines na embarcação.
Hiroshi não ficou admirado ao ver onde o filho do patrão dormia. Cambaleando ao subir os degraus na direção da parte mais elitizada do Yukikase, ele pediu licença para os companheiros que ainda acordavam após o desjejum até chegar à portinhola que chegava aos aposentos do seu "discípulo". Pretendendo dar-lhe um grande susto, ele girou a maçaneta da porta e percebeu que estava trancada. -
Merda. - Reclamou por não conseguir se vingar de alguma maneira a sua noite terrível. -
Bom, vamos começar a treinar. - Concluiu, mesmo ainda sentindo as consequências de sua doença, preferiu começar cedo com o treinamento, pois quanto mais rápido treinasse o rapaz, mais rápido conseguiria o que tanto ansiava. Então, jogando o punho contra a porta, Daisuke bateu por algumas vezes, mas ninguém respondeu. Estranhando a falta de movimentação no quarto, ele repetiu a manobra, mas ninguém atendeu.
"Droga." - Reclamava consigo tentando adivinhar porque seu subordinado não o atendia, procurando alguma fresta nos afrescos que adornavam a porta do cômodo, surpreendendo-se ainda mais com o que via. Lian estava deitado em sua cama king size com a mão ainda segurando uma garrafa de rum. A sua frente, uma mesa bem servida com queijos, frutas e leite. Um verdadeiro banquete. Aquilo revoltou o nukenin. Afinal, enquanto ele comia algo estranho com os outros piratas, o playboy se esbaldava com boa comida e uma cama confortável. Isso teria que mudar... Ou não. Juntando chakra ao punho, ele pretendia derrubar a porta e retirar seu discípulo à força para começar a treinar, mas logo ficou atento a uma sombra que se aproximou nas suas costas. Virando-se rapidamente, pronto para ver o alvo de sua fúria, Hiroshi se tranquilizou ao ver quem era.
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O que você faz aí? Ainda nem começou suas tarefas. - Perguntou o imediato.
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Mas não sou tripulante... Sou um passageiro. - Gabou-se sagazmente.
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A passagem dele foi paga. E você? Como espera pagar pela sua? - Respondeu.
O imediato era um sujeito baixo, mas corpulento, usando vestimentas simples e leves, características de quem vive no mar há muito tempo. Ele parecia ser uma boa pessoa. Sensato e sempre de bom humor, Ôsho era o oposto capitão. Completamente careca, o pirata sorriu quando viu que tinha deixando o loiro sem argumentos para lhe responder. Daisuke podia ser bom em combate físico, mas quando se tratava de "combate mental" era um desastre e novamente havia perdido uma batalha, pego desprevenido no labirinto das palavras, deixando-o completamente sem respostas, afinal, estava sem dinheiro. Mesmo com o seu pagamento e "bicos" que fazia, tudo isso não era suficiente para sustentar seu vício e fazer extravagância. -
Tudo bem. O que posso fazer? - Perguntou a contragosto. O imediato logo apontou para o cozinheiro que juntava uma pilha de vasilhas sujas a serem lavadas.
Levantando a sobrancelha direita em desagrado, o loiro abriu um sorriso amarelo ao se aproximar das vasilhas e oferecer ajuda. O homem da cozinha acenou e entrou no navio levando-o até o pequeno cômodo em que trabalhava. E era pequeno mesmo. Mal cabia o cozinheiro e sua barriga protuberante, o que obrigou Daisuke a se espremer entre ele e o balcão para alcançar a pia num movimento constrangedor. -
Vamos, lave-os e guarde-os naquele armário. - Comandou. O loiro suspirou profundamente e sem reclamar começou a retirar toda a sujeira dos pratos improvisados para pressionar a alavanca que fazia pressão para que a água do mar chegasse até as torneiras. Não era um trabalho muito difícil, porém, bastante nojento. E quando a água começou a escorrer, sentia ânsia de vômito pelo que encontrava no interior de cada prato, fazendo-o pensar se deveria mesmo comer na próxima refeição. Suas mãos então adentraram naquela "sopa" de restos de comida a lavar o que lhe parecia impossível de ser limpo.
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Será uma viagem longa. Muito longa. - suspirou, arrependido.
CONTINUA...