A tensão no ar era tão densa que parecia que poderiam tocá-la com as mãos. A cada minuto, o barulho dos sucessivos disparos do navio patrulha fazia até o homem mais corajoso tremer e rezar para então se tranquilizar ao ver a tromba d´água que surgia nas laterais da embarcação. O vento agora soprava mais forte, levando-os ainda mais fundo ao labirinto de corais que circundavam à costa como armadilha natural. -
É melhor começar a rezar, Lian. - Sussurrou Daisuke ao garoto que ofegava e se agachava a cada eco dos disparos na direção do Yukikaze. Não demorou muito para que a tripulação conseguisse ouvir o fundo raso raspar no casco arrazoado, retirando suspiros dos homens. Se encalhassem ali, certamente seriam alvos fáceis dos perseguidores. Porém, aparentemente para o Barba-de-Ferro, aquilo não passava de um passeio no parque, pois ele ditava as manobras ao seu imediato com grande exatidão como se já conhecesse um atalho entro as pedras cortantes e pouco a pouco começaram a se distanciar dos disparos até que conseguiram atravessar a linha de corais sem grandes danos ao navio. A tripulação comemorou como estivessem numa orgia, pois se abraçavam e pulavam pelo sucesso na fuga. Mas a que preço. -
Relatório de danos! - Gritou o capitão, fazendo com que cada pirata saísse à procura de qualquer ameaça a segurança. Um evento rotineiro após uma batalha. Contudo, quando o cozinheiro subiu ao convés não trouxe boas notícias: -
O mastro está rachando no amarradouro!Daisuke não entendeu o motivo porque todos se entreolharam com grande preocupação. Muito menos Lian que havia corrido para sua cabine particular e buscado um pouco de vinho para tentar acalmar sua tremedeira. O capitão imediatamente comandou que recolhessem as velas, para a tristeza dos piratas. "Por quê? Sem a ajuda dos ventos estariam à mercê das correntes." - Pensou, tentando entender o que acontecia. Seu olhar curioso logo chamou a atenção do cozinheiro que lhe explicou o motivo da atitude desesperada. Segundo Kizou, o amarradouro é a viga mestra que apoia os mastros e sem ele, os mastros poderiam se partir e afundar o navio no processo.
! Nesse momento o loiro olhou por sobre o ombro e viu o barco de patrulhar virar para a direita e começar a margear os corais na certa para encontrar alguma passagem para que pudessem interceptá-los. O tempo estava contra eles. O que fazer agora? -
Aos remos! - Berrou o imediato, como se adivinhasse o que Hiroshi pensava no momento. Então, rapidamente toda tripulação disparou para as entranhas do Yukikaze buscando os grandes remos que descansavam presos às laterais da estrutura. Nervoso com a situação desesperadora, Daisuke correu atrás de um remo assim que começou a ouvir mais disparos da patrulha que já atravessava uma estreita passagem nos corais. Sentando-se ao lado de um pirata ferido que já esperava um companheiro para começar, ele se sentou rapidamente e agarrou o remo com firmeza. -
Remem! - Gritou o imediato.
Nesse momento, Daisuke firmou as mãos e com a ajuda de seu companheiro de banco, gemeu ao puxar a madeira com toda força. O ruído forçoso ecoou pelo porão, desprendendo o Yukikaze de suas correntes marítimas para impulsioná-lo à frente, na direção que o Barba queria. E com sua voz poderosa, açoitava os seus lacaios com xingamentos de incentivo que só os piratas conheciam. O trovejar dos canhões se aproximavam a cada instante e mais uma vez eles reiniciaram os movimentos até conseguirem um esforço fluído que singrou pelo mar à entro na direção de uma estranha neblina de fim de tarde. -
Remem seus macacos infernais! Suas vidas dependem disso! - Esbravejava o pirata, vendo que seus homens agora conseguiam uma boa velocidade para escapar do cerco em tempo. Enquanto isso, o nukenin já tinha calos em suas mãos e ficava admirado com a energia dos piratas que mantinham a cadência das remadas apesar de feridos e cansados. Olhando pela fresta lateral, ele observava a estranha neblina que se formava quando puxava o remo mais uma vez. Aquela ação frenética terminou com alguns minutos e desde então não ouviram mais os disparos dos canhões. -
Diminuir a um terço! - Dizia o imediato. Ofegantes, todos largaram os remos e deixaram a inércia fazer sua parte. Agora era apenas silêncio sob o ruído agonizando da água que batia no casco enquanto deslizavam. Entretanto, Daisuke olhava para as mãos avermelhadas e suadas, incomodado por ter de suspirar naquele antro fedorento. Olhando em volta, nem sequer sinal de seu discípulo. Há essa hora provavelmente já estivaria bêbado. -
Recolher os remos! - Ouviu, para seu espanto.
O alívio foi geral. Puxando os remos para dentro, já conseguiam ouvir o sussurro do vento que ecoava... Ecoava? E assim a escuridão se fez. Transportados da névoa para a noite quase que instantaneamente, os piratas assustados se entreolharam e tentavam ver através das frestas, mas nada se via. Daisuke foi o primeiro a subir os degraus para o convés, onde encontrou Lian sentado à beira do mastro principal, com uma garrafa vazia nas mãos, ele dormia e roncava alto. Patético. Foi então que o loiro conseguiu ver um pouco onde estava e ficou admirado pela estranha formação feita pela natureza. Uma grande caverna engoliu o Yukikaze totalmente, e era levada por uma leve corrente caverna à dentro até alcançar a abertura oposta num espetáculo natural que os olhos do loiro custaram a acreditar. Como uma fortaleza geológica, a coroa de um vulcão que saía das profundezas do mar chegando há trinta metros de altura. O céu claro mostrava uma cidade escavada na encosta do paredão de pedra inclinada, com várias escadarias e dezenas de pessoas que desciam freneticamente pelas encostas até o porto onde dois navios com bandeira pirata estavam ancorados. -
Holyshit! - Exclamou em admiração. Era a primeira vez que tinha visto o que só escutava nas histórias dos marinheiros. Daisuke sabia muito bem onde estava naquele momento: A cidade fantasma de Horan. Uma cidade protegida por corais e neblina densa. Um local regido apenas pela lei pirata. Lian, por sua vez, estranhando a repentina claridade, abriu os olhos e derrubou a garrafa vazia para buscar o parapeito e vomitar.
-
Preparar para aportar! - Gritou Barba-de-Ferro.
A tripulação exausta nem sequer comemorou com a notícia. Jogando as cordas para os barqueiros, eles puxaram o Yukikaze ferido em batalha para a baia mais afastada e logo foram recebidos por alguns homens curiosos que tentavam saber o motivo da sua chegada e encontraram o moral baixo de poucos sorrisos. Apesar disso, Daisuke estava aliviado. Lian estava de ressaca, mas ileso. Sua missão ainda era válida. Um motivo para comemorar. O sol já clareava a ponta superior da cratera indicando que logo escureceria e por isso, demorara um pouco para que tivessem a autorização para desembarcarem em Horan. Todos estavam ansiosos para sair daquele navio e procurar a taverna mais próxima para afogar as mágoas de uma derrota amarga. Acabaram saindo da vila sem nenhum tostão. Os feridos logo foram alocados para enfermaria da vila e o capitão Barba-de-ferro já se perdera nas vielas atrás de seus contatos. O imediato, por sua vez, recebia os contratados para os reparos do navio e fez uma careta ao receber a notícia: -
Uma semana. - Diziam os construtores ao verem o nível do estrago. Daisuke esboçou um sorriso instintivo. Afinal, sentia uma estranha falta daqueles olhos castanhos que vira há alguns quilômetros ao sul. Então, jogando o corpo de seu discípulo com ressaca nas costas, o loiro entrou na sua luxuosa cabine e o despejou na cama, aproveitando a oportunidade para tomar um banho rápido. Descendo ao convés, vendo que não havia mais ninguém na nau, ele procurou um bote mais distante das vistas da tripulação, jogando algumas moedas ao vigia do Yukikaze. Silenciosamente sob o manto noturno, Hiroshi desceu o bote e atravessou a noite pela caverna escondida, na direção daqueles olhos castanhos. -
Espero que ela esteja bem. - Desejava, aliviado pelo casco raso do bote ser suficiente para atravessar a barreira de corais.
CONTINUA...