Ambições semelhantes

Finalmente um tempo de descanso após tanta ação. Katsu ainda se recuperava dos acontecimentos do último mês, principalmente de relembrar-se de todo o seu passado, algo que agora o atormentaria para sempre. Ele já tinha problemas suficientes com a quase extinção do seu clã e com Kimera, e agora ainda tinha de lidar com uma nova faceta sua (que felizmente pareceu desaparecer desde a morte de Hideyoshi) e as suas tormentas. Todas as noites, os pesadelos sobre a vida de Tsutao apareciam em ilusões distorcidas e assustadoras. Os mais comuns eram o seu suposto irmão, Yasuo, e súbitas aparições de Hideyoshi. O que era suposto tudo aquilo significar?
Absorto a pensar nos seus constantes pesadelos, o Imagawa estava sentado num sofá da mansão Akatsuki, numa da suas variadas salas. Aquela em especial era perfeita para ele: assemelhava-se a uma biblioteca, cheia de mesas, sofás e estantes repletas de livros, pelo que consequentemente estava sempre silenciosa, ótima para pensar-se na vida. Encontrava-se demasiado distraído para sentir a presença da sua pequena filha que, em passos mansos, se aproximou pelas costas dele e se atirou de braços abertos para o seu pescoço, abraçando-o carinhosamente e colocando as delicadas mãos à frente dos olhos do pai. Surpreso pela inesperada brincadeira, assustou-se e estrebuchou um pouco, mas depressa se acalmou ao ouvir a risada divertida de Sekima.
- Adivinha quem é! – Pediu a criança com a sua voz fina e amorosa, voltando a rir-se – E não vale dizer que sou uma garrafa de sakê! Não gosto disso...
- Mas tu nunca experimentaste sakê, minha pequena! – Gargalhou o Akatsuki, virando-se para trás e agarrando-a pela cintura, puxando-a para sentar sobre o seu colo. Esta ria-se durante todo o processo, acabando por acalmar-se ao pousar a cabeça sobre o peito do Imagawa.
- Papi, crianças da minha idade não devem beber, não devias ser tão irresponsável! – Admoestou a pequena com um sorriso, apertando a bochecha de Katsu com alguma força de forma a intensificar o seu sermão. O seu pai queixou-se por aquilo lhe doer um pouco, fazendo-a parar e olhá-lo nos olhos – Está tudo bem contigo?
O Imagawa estacou e devolveu-lhe o olhar. Como é que ela conseguia sempre perceber que ele estava com problemas? Sempre sentiu que ambos tinham uma otima conexão, até um pouco fora do normal, mas a capacidade de Sekima de perceber quando o seu pai adotivo estava mal era simplesmente incrível.
- Está tudo bem comigo, fofinha... – Mentiu, como sempre fazia quando ela lhe perguntava o mesmo. Não a queria preocupar com os seus problemas e tormentas, logo a ela, a sua querida filha com o sorriso mais maravilhoso que Katsu já vira – Então como tem sido estes tempos na mansão?
A rapariga suspirou, começando a fazer figuras estranhas com os dedos das suas mãos e criando diálogos imaginários entre elas.
- Divertido, mas a Sasami-chata é uma chata... – Queixou-se, suspirando enquanto falou para se expressar melhor, olhando para o queixo do seu pai, que mantinha o olhar preso no vazio, para depois retomar a brincadeira com as mãos – Mas a Gaina-sama de vez em quando tira um tempo para brincar comigo, ela diz sempre que sou muito “especial”.
- “Gaina-sama”? – Perguntou o Imagawa com um tom de curiosidade – Desde quando a tratas assim?
- A Sasami-chata obriga-me a chamar-lhe assim! – Voltou a queixar-se, curiosamente sempre algo relacionado com a companheira de organização de Katsu – Diz que é por respeito ou algo assim! Que chata...
Um leve tossicar despertou a atenção de ambos, fazendo Katsu virar a cabeça para trás enquanto que Sekima teve de erguer-se e colocar-se de pé sobre o colo do seu pai para conseguir ver quem tossicara. Era Sasami à porta da pequena biblioteca que, pelo semblante furioso, não parecia nada satisfeita com a conversa que certamente ouvira. Lançando um olhar fulminante à criança, apenas se irritou mais quando esta lhe mostrou a língua com uma careta jocosa.
- Katsu... – Chamou esta sem qualquer problema em mostrar a raiva controlada ao olhar fixamente para a criança responsável – A líder quer falar contigo e diz que podes levar essa pirralha aí! – Avisou, apressando-se a desaparecer sem esperar uma resposta, talvez para matar alguma coisa que não fosse Sekima...
A filha de Katsu continuou com a língua de fora até Sasami desaparecer da sua vista e por mais alguns segundos. Quando percebeu que a sua mensagem estava bem passada, devolveu-a à boca e levantou-se do colo do seu pai, estendendo-lhe a mão como se para ajudá-lo a levantar. Consciente que era demasiado alto e pesado para que Sekima fosse capaz de ajudar a erguê-lo, o Imagawa levantou-se por si próprio, olhando posteriormente para a pequena que enchera as suas bochechas de ar e passava um ar zangado por ter sido ignorada daquela maneira. Sorrindo, afagou-lhe o cabelo e virou-lhe as costas, encaminhando-se para o laboratório de Gaina no qual normalmente falava com ela sobre missões e deveres da Akatsuki. A sua filha ficou mais algum tempo amuada, mas percebendo que continuaria a ser ignorada não teve outro remédio a não ser seguir Katsu. Ele não queria tê-la ignorado, mas a sua mente ainda estava a divagar sobre toda a história de Tsutao, tornando-o ainda menos presente do que normalmente costuma estar...
Os labirintos que eram a mansão Akatsuki eram já muito bem conhecidos pelos Imagawas, principalmente por Sekima visto que ela brincava imenso às escondidas neles, pelo que encontrar a porta do laboratório de Gaina não foi muito difícil. Abrindo-a, depararam-se com a divisão repleta de frascos, líquidos, jaulas, livros e documentos espalhados por tudo o que era canto, exatamente como se lembravam do laboratório. Ao fundo, remexendo em alguma carne, uma imagem demasiado arrepiante para Sekima que se viu obrigada a cobrir os olhos com as mãos, estava Gaina, cantarolando uma melodia gutural mecanicamente, aparentemente satisfeita ao mexer naquela carne (que Katsu ainda não conseguiu descobrir se era animal ou humana...). Ela depressa sentiu a presença de ambos, principalmente da criança que se assustara com a visão, sorrindo para eles e afastando-se do pedaço de carne, sacudindo as mãos para afastar algum sangue e limpando o resto numa toalha próxima.
- Vieram rápidos, meus queridos – Disse, aproximando-se de ambos e agachando-se à frente de Sekima, sempre sobre um olhar vigilante de Katsu (não que ele desconfiasse da sua líder, é apenas assim sempre que outra pessoa se aproxima da sua filha) – Já podes olhar, Sekima.
Lentamente, ainda relutante, a criança afastou ambas as mãos, vendo a linda face de Gaina, que considera sua mãe sem perceber bem o porquê, a sorrir-lhe. Esta já não estava mais com aquela estranha carne nas mãos nem toda ensanguentada, pelo que Sekima expirou profundamente, como se até então tivesse inspirado e deixado de respirar devido aos nervos. Contente por vê-la novamente confortável, Gaina ergueu-se e encarou o seu subordinado.
- Tenho uma missão para ti, Katsu, e esta vais achar interessante e divertida! – Disse, mantendo sempre o seu carismático sorriso em contraste com a confusão estampada num Imagawa mais silencioso do que é costume – Inscrevi-te no Torneio de Todos os Ranks que vai haver em Cha no Kuni!
Apesar da animação de Gaina, Katsu não conseguiu partilhá-la. A última coisa que tinha vontade era de participar em um evento com um nome tão idiota como o que tinha. Depois lembrou-se que o seu clã também dava nomes idiotas e óbvios às suas tradições, pelo que parou de pensar no assunto.
- Um Torneio de Todos os Ranks? Isso não é aquela coisa em que ninjas de todo o mundo participam e lutam entre si? – Já havia ouvido falar sobre ele, mas não tinha a certeza se estavam a falar do mesmo. A líder acenou afirmativamente com a cabeça, esclarecendo as suas dúvidas – Por que raios queres que eu vá participar nisso? Ainda sou caçado e matam-me logo...
- Apesar de eu duvidar que sejas tão facilmente apanhado, o torneio vai realizar-se em Cha no Kuni! Um ótimo país para que Nukenin como tu possam participar! – Apesar da clara e injustificada animação de Gaina, o Imagawa mantinha-se relutante e perplexo pela súbita proposta – É claro que não vais participar só pela diversão. Quero que te anuncies como o líder da nova Akatsuki!
A reação de ambos os Imagawa foram de surpresa, até Sekima que abrira largamente a boca de espanto.
- Tem calma, isto faz tudo parte de um plano meu. Já criei diversos experimentos e muitos deles estão operacionais para uma luta em larga escala. No entanto, reparei que os teus movimentos e do Arami tem atraído demasiada atenção para Akatsuki. Não é segredo para ninguém que a organização está de volta e tenho medo que acabem por descobrir o meu laboratório ou a minha própria existência – Atento ao discurso da sua líder, Katsu começava a perceber a ideia dela com acenares de cabeça e pequenos sons guturais a concordar com o que ela dizia – Quero que vás a esse Torneio famoso e te anuncies como o novo líder da organização e que tenhas uma boa prestação no mesmo. A tua declaração e força vão atrair todas as atenções para ti, o que é perfeito para a minha jogada silenciosa. – Acabou Gaina, virando-lhe as costas e olhando para o vazio – Desculpa por colocar-te nessa situação, mas sou uma peça demasiado importante para o meu plano para andar aí a ser investigada e quase descoberta. Prefiro que me mantenha no sigilo até ser a altura ideal para ascender aos céus...
- Gaina... – Chamou o Imagawa, atraindo o olhar sério da sua líder, calando-se de seguida à medida que ponderava cada uma das palavras que queria dizer – Tens a certeza disto? É realmente o teu sonho tornares-te uma deusa?
A loira fitou-o, intensificando ainda mais o seu olhar sério e desvanecendo, numa rara ocasião de acordo com a memória de Sekima, o seu sorriso.
- Não me lembro de seres o tipo de pessoa que questiona as ambições dos outros, Katsu Imagawa – A sua voz parecia algo irritada, mas o seu semblante tentava transparecer o máximo de serenidade – Os nossos objetivos não são algo parecidos? De todos os membros da organização, tu és quem mais me interessa, Katsu. Além de poderoso, tens um desejo radical um pouco semelhante ao meu. Tu podes concretizar o meu e eu posso fazer o mesmo por ti. Não preciso que percas tempo valioso a questionar o que eu tenho decidido com o dobro ou triplo da tua vida!
O Akatsuki baixou o olhar. Nunca fizera aquilo antes e a sua pergunta pareceu não agradar Gaina que, pela primeira vez, a viu ofendida. Ela não costumava preocupar-se muito com o que os humanos à sua volta diziam, mas simplesmente não aceitava que questionassem o seu sonho e o trabalho que ela tomava para o poder concretizar. Ele sabia isso e, no entanto, perguntou na mesma. Por momentos, percebeu que também duvidara do seu próprio sonho. Ele desejava poder abolir o sistema de vilas e torná-las todas numa forte comunidade, unida entre si e capaz de se expandir pelo resto do planeta. Contudo, os acontecimentos com o Tsutao eram demasiado incomodativos para sequer pensar nisso. Tinha demasiadas coisas da sua própria vida para resolver, então quando daria tempo para o seu sonho? Se é que este era capaz de ser concretizado...
A Moremane apercebeu-se do seu tom agressivo, acalmando-se e suspirando por ter perdido a cabeça, algo que era difícil de acontecer. Aproximou-se num passo rápido, pousando a sua mão suavemente na face do seu subordinado.
- Katsu, és tão novo e tens um potencial incrível. Eu própria ajudei-te a treinares o Fuumetsu Mangekyo Sharingan com a esperança que me pudesses emprestar esse poder quando nós o mais necessitássemos. Não questiones sobre cada coisa da tua vida, apenas vive-a e faz aquilo que achares melhor. Se não estás satisfeito com algo, luta para melhorar a situação e não te entristeças por cada e qualquer obstáculo que te apareça à frente! – Incentivou Gaina, piscando-lhe o olho e dando-lhe uma leve festa na face, voltando a virar costas e caminhando para o pedaço de carne que ainda estava à sua espera em cima da mesa – Partes para Cha no Kuni não tarda nada e podes levar a pequena Sekima contigo. Não vais para lá só para participar no Torneio, quero que faças outras coisas...

CONTINUA...