A porta do armário se abre, mostrando alguns quimonos, calças, camisas e por fim, um uniforme de cor azulada. Protegido por uma cobertura de plástico, a indumentária era a peça mais preciosa de seu vestiário. -
Vamos lá. - Sussurrou Nero, ao buscar sua roupa de gala. Jogando-a sob o tatame, o homem se volta para a parede e tateia pelas falhas da madeira até encontrar a que desejava. Num leve aperto seguido de um "click", a porta secreta se abre para mostrar um cômodo minúsculo que se iluminou com algumas lâmpadas fluorescentes que piscaram até que permaneceram acesas. O chefão deu um passo à frente e sabendo exatamente onde procurar na cômoda na parede oposta, onde buscou a gaveta da esquerda. Um ar refrigerando escapou na mesma hora numa névoa tranquila, revelando uma estrutura metálica onde descansavam vários frascos. Passando rapidamente a vista, ele escolheu um dos frascos com um líquido estranho e retirou a proteção da agulha pneumática. Usando a boca para segurar o objeto, Nero dobrou a manga de seu hobby para injetar o líquido em suas veias. Instantaneamente o tremor passou e a sensação de bem-estar tomou seu corpo. Suspirando fundo, ele saiu o cômodo, deixando a porta fechar atrás de si silenciosamente. Abrindo a embalagem, o homem começou a vestir seu uniforme, acomodando as várias medalhas em seu peito. Quase tudo pronto para receber seu herdeiro.
-
Senhor. A comitiva está pronta. - Comunicou seu segurança, do outro lado da porta.
-
Estou pronto. Mande selar meu cavalo. - Respondeu, escondendo a ansiedade.
Minutos depois...
A festa estava quase organizada. Na praça central do Buraco, pessoas corriam de uma lado à outro, terminando os últimos preparativos para a festa que se seguiria em pouco tempo. O tiozinho do churros apressava-se para já distribuir seus produtos pelas mesas enfeitadas, rodeadas por bêbados à procura de glicose para curar a ressaca da noite anterior, comemorando a chegada das guloseimas com júbilos. Enquanto isso, sob os gritos e ofensas da gorda, os seguranças da pensão gemiam de esforço para retirar a última - e imensa - mesa pela porta principal, perguntando-se como aquele móvel conseguiu entrar no estabelecimento. Passando por eles, uma garota se juntou às dezenas de meninas se espremiam em frente ao grande espelho preso à parede da pensão, ansiosas e nervosas com as boas-vindas que aconteceria em alguns minutos. -
Yukikase à vista! - Gritou o mensageiro do porto, acionando a sineta para avisar a todos que o filho do benfeitor estava retornando após uma viagem de seis meses nas águas piratas. Nesse momento, a comitiva de Nero e seus três seguranças cavalgava pela trilha até o centro da vila. Cercado por outros empregados à pé, o chefão estava montado em seu cavalo de cor preta cuja imponência vinha de seu sangue puro. Seu velho coração ficou pequeno quando ouviu a sineta de aviso, pois, apesar de sua aparência carrancuda, Lian continuava sendo a alegria de sua vida, apesar de recentes decepções.
-
Lá estão eles, meu senhor. - Comentou Daketsu.
-
Estou vendo. Já não era sem tempo. - Concluiu.
Nero sabia de tudo o que os populares comentavam sobre seu filho. Covarde. Chorão. Filhinho-de-papai. Todo esse adjetivo já ouvira por meio de terceiros e, apesar de conspirar uma vingança apropriada, preferiu confiar a honra de seu filho a um jovem que chegou há pouco tempo e conquistou seu espaço na organização com seus punhos. Saru era seu nome. Nero se lembrava daquele jovem bom de briga que quase o levava à falência com sua arrogância e talento. Na verdade, era aquele comportamento que queria que seu filho tivesse, mas parecia que sua falta de tempo em organizar sua vingança acabou com sua influência para com o filho. -
Deveria ter dado atenção, e não presentes. - Sussurrou com certa tristeza. Nesse momento a comitiva chegou ao palanque montado para o anfitrião, onde os comerciantes do local já se aproximavam para ouvir as boas-novas. Já no mar, alguns barcos pareavam com o Yukikaze, levando-o pelas correntes até conseguirem se aproximar do porto sem maiores complicações. Os tripulantes se amontoavam na beirada, esperando apenas que a autorização seja dada para "invadirem" a vila que partiram há meses. Logo um barulho abafado de contato fez a madeira de o porto gemer. Olhando para seu comandante, a tripulação o viu acenar em concordância e só então dispararam pela prancha de desembarque até a praça central onde foram recebidos com música, comida, bebida e mulheres. Gritos e gargalhadas ecoaram pelo vilarejo.
A tripulação já se sentava para aproveitar a boa recepção que lhes fora dada sem sequer saber o real motivo para tanta festa. E por isso Nero não perdeu seu tempo em vê-los iniciar as comemorações. Ele não queria, mas seus olhos o traíam à procura de seu filho no meio daquela turba fedorenta e sem educação. O que teria mudado nele nesses dias? Saru conseguira o que ele não teve tempo de tentar? Será que se tornou um homem finalmente? Essas perguntas assolavam sua imaginação, enquanto inclinava o pescoço com ansiedade. Contudo, após alguns minutos de procura, o chefão acenou para um de seus seguranças. -
Pois não, meu senhor? - Ofereceu-se Jabu. Sussurrando em seu ouvido, Nero comandou seu homem que buscasse seu filho onde quer que ele esteja. Jabu entendeu o comando e chamou seus outros companheiros que se espalharam pelo vilarejo com rápidos shunshins. Enquanto isso, a gorda da pensão conseguiu espaço para sentar-se ao lado do manda-chuva. Sorridente, ela sequer chegou a abrir a boca, recebendo um olhar afiado que a fez gelar. A mulher fez uma careta de desagrado e recuou, descendo os degraus para gritar com as criadas que já zanzavam entre as mesas para manter os convidados cheios de vinho e salgados. -
Andem suas peruas! - Esbravejava com ódio mortal ao ser escorraçada mais uma vez vendo seus sonhos de ser a primeira-dama indo por água a baixo. Nesse momento, um pequeno estrondo foi ouvido do Yukikaze.
-
O que foi isso? - Perguntou o tiozinho do churros.
-
Algum ataque? - Indagou uma das meninas.
A comemoração parou por um momento. Todos recearem por alguma coisa ruim ter acontecido ao ver o pilar de poeira que subiu no céu logo após. Desesperado, Nero correu para seu cavalo e o chicoteou, ganhando velocidade por entre os curiosos que se aglomeravam na entrada do porto. Os cascos do cavalo ressoaram ocos pela estrutura de madeira na direção do pilar de poeira, quando enfim percebeu que alguém saiu caminhando de dentro da cortina esfumaçada. Carregando um de seus capangas no ombro, Lian ressurgiu imponente. Seu corpo muito mais musculoso de quando partiu, ele tinha os cabelos cortados rente ao crânio e seu rosto ganhou um ar maldoso. Jogando o segurança de lado, o rapaz sorriu para seu pai, esperando a poeira baixar para ser acompanhado por Barba-de-Ferro que descia através da prancha de desembarque. -
Meu pai! Que alegria em vê-lo! - Gritou com certo sarcasmo. Nero pareceu não reconhecer seu filho, afinal, o que aquele idiota tinha feito com ele? Mesmo assim, o chefão abriu um sorriso e acenou para que os outros dois capangas resgatassem seu companheiro e apagassem o princípio de incêndio que a breve luta causou. Os ânimos se acalmaram assim que pai e filho caminharam lado a lado na direção da festa, sendo recebidos por aplausos e cumprimentos. Pareciam ver que o filho do benfeitor voltara em grande estilo. E agora temiam pela sua segurança, depois de verem os estragos que o rapaz causara.
-
Mas onde está Daisuke? - Perguntou Nero, curioso por não tê-lo visto.
-
Ele desistiu dessa vida. Apaixonou-se. - Mentiu, lembrando-se do que fizera.
CONTINUA...