Seu nervosismo estava à flor da pele. Daisuke não conseguia pensar em como conseguiram descobri-lo naquele local tão distante. Além disso, este papel preso à lâmina seria um aviso de morte? De vingança? Ou simplesmente de saudade. Centenas de outras perguntas invadiam sua jovem cabeça, deixando-o paralisado ao observar a sua imagem no cartaz que balançava ao vento até que alguém bateu em sua porta. Aquele ruído o trouxe para a realidade e seu sangue se encheu de adrenalina ao suspeitar que o dono dessa mensagem estivesse agora à sua porta. Pronto para lutar, ele se posicionou a alguns passos dentro do quarto e mandou entrar quem quer que esteja lá. A porta rangeu e se abriu lentamente, mas para sua surpresa, apenas o garoto de recados de Nero estava lá.
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O mestre quer ter contigo. - Comentou num o garoto em tom solene. Confirmando sua presença, o loiro aguardou que o jovem saísse de suas vistas para voltar a trancar a porta e recuperar seu fôlego. Estava apavorado. Sabia que se voltasse à Vila da Areia como prisioneiro talvez nunca mais ele saísse das masmorras. Ou pior, poderia sofrer alguma lavagem cerebral e se tornar uma máquina assassina e sem alma, como já soube que acontecera na Vila da Névoa. -
Acalme-se idiota. Se quisessem sua cabeça, o caçador estaria aqui esperando! - Dizia consigo na esperança de acalmar-se e após alguns poucos minutos, resolveu atender ao chamado de seu chefe. Ou será que era apenas mais uma armadilha? Novamente a sua consciência o traíra. Seu corpo tremia, mas não quis ouvi-lo. Buscando o trinco da porta, ele saiu na direção da residência do chefão.
Olhando desconfiado para todos os lados, ele caminhava pelas vielas já conhecidas, mas não encontrou nenhum estranho até chegar ao casarão do chefão. Como os seguranças já o conheciam, Daisuke passou pelos dois portões de acesso com apenas um levantar de sobrancelhas até adentrar no salão onde Nero o aguardava sentado a sua mesa de reuniões. -
Sente-se. - Disse ele. O coração do garoto irrompeu numa corrida inigualável. Seria ele o responsável pelo recado? Estaria perdido agora que ele ja sabe de seu segredo. Agora ele sabia que seu nome não era Saru? Estas dúvidas margeavam seu inconsciente até que o homem decidiu quebrar o silêncio incômodo que tomou sala. -
Você fez muito bem na sua última missão, Saru. - Elogiou o chefe.
Daisuke sentiu um alívio tremendo quando percebeu que seu chefe ainda o reconhecia pelo seu nome falso. Agora, já tranquilizado, o loiro ouviu mais elogios de seu chefe quando este se levantou e se dirigiu à imensa varanda de onde se via toda Depressão. Distraído, o ninja se assustou ao ver que seu patrão já se perdia do lado de fora e se apressou para acompanhá-lo em rápidas passadas até o deck. Era uma bela paisagem além dos casebres e imóveis de terra batida. O porto estava abarrotado de pessoas que circundavam as dezenas de embarcações de onde descarregavam e carregavam mercadorias de todos os tipos. Vendo que seu chefe fitava o porto, o ninja renegado se aproximou o suficiente para reagir a qualquer movimento do mafioso. Uma cautela que nunca deixara de ter.
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O que você vê de diferente no porto hoje, meu jovem? - Perguntou ao rapaz.
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Hmmmm... Tudo está igual. Porque? Alguma pegadinha? - Respondeu com escárnio.
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Os jovens e sua falta de interesse em tudo. - Disse, suspirando.
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Está bem. Hmmmm.... Um, dois, três... Espere, que navio é aquele? - Surpreendeu-se.
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É o que você zarpará em dois dias. Acompanhará meu filho. - Falou o chefe, em tom incisivo.
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Mas senhor, serei babá novamente? Eu quero é lutar! - Gemeu o loiro.
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Você lutará. Mas, durante os meses que passarão no mar, quero que você o treine. - Concluiu sob as lamúrias do jovem nukenin. Na verdade, desde que seu filho negou-se a matar um inimigo declarado da família, Nero vem travando uma guerra interior para tentar fortalecer seu filho antes que ele inicie seu plano de vingança. Era bem provável que morreria no processo, e por isso, não queria deixar Lian sozinho e indefeso num mundo sem regras. "Já estava na hora mesmo do garoto aprender a ser homem." - Pensou o loiro, tendo certeza de que seu chefe também compartilhava de sua opinião. Então, suspirando fundo, o loiro maneou a cabeça vagarosamente. -
Está bem. Eu o treinarei. Mas em troca quero o mesmo poder de seus homens. O mesmo que vi na ilha. - Terminou sua afirmação com um sorriso desconfortável.
O nukenin não tinha certeza de como seu chefe reagiria a tal proposta, contudo, não podia perder a oportunidade de ganhar aquilo que o intrigou. Tamanho poder que ambicionava. Ao ouvir o garoto, Nero pensou naquilo por alguns longos segundos e concordou com o proposto, para a surpresa do jovem. Virando-se rapidamente, o mafioso estendeu a mão num gesto de definição e enfim os dois apertam as mãos. -
Tens minha palavra. - Disse com severidade. Finalmente tinha conseguido dobrar as defesas do velho. Aliviado, Daisuke retornou ainda desconfiado a seu quarto, mas tudo estava no mesmo lugar que deixara. Como não tivera tempo sequer de desarrumar a mala que trouxera do País da Lua, ele apenas queimou seu cartaz e pisou na madeira solta no assoalho para alcançar as drogas que guardara. "Ainda bem. Ainda estão aqui." - Suspirou.
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Preciso de mais para a viagem. - Sussurrou sozinho, atestando o óbvio. Jogando a mochila nas costas após guardar o tóxico, ele desceu as escadas da pensão com alguma rapidez e ganhou a rua movimentada na direção do "depósito". Depois que seu vício começou, Daisuke refazia aquele caminho quase todos os dias para repor o estoque. Sentia-se impotente e fraco caso não tomasse sua dose diária. Assim, dobrando num estreito corredor de areia úmida dos constantes vazamentos dos esgotos naquela área, ele viu o grande galpão fortemente vigiado. Os seguranças já o conheciam e lego abriram caminho para que ele entrasse na pequena portinhola que o levaria a uma espécie de grade que protegia o acesso ao interior.
A grade logo chiou quando as trancas eletrônicas abriram e o rapaz entrou ansioso para receber sua parte diária. Assim, logo que o gordo viu sua chegada, ele se apressou para abrir a gaveta e retirar um embrulho discreto de pequeno tamanho e o empurrou sob a grade de segurança que dividia o balcão da área comum. -
Essa quantidade? Cuidado para não exagerar. - Provocou o homem, à medida que Daisuke abria o pacote com voracidade, abrindo enfim o estojo com suas ampolas cheias de um líquido púrpura. Pegando uma ampola, ele girou a pequena peça de plástico que logo liberou o bloqueio da agulha, espetando-o contra seu peito. Uma sensação de bem-estar invadiu seu corpo. Agora estava pronto para viajar e encarar aquele 'filhinho-de-papai' que se parecia com ele nos breves momentos de seu passado.
Minutos depois...
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Muito bem marujo! Seja bem-vindo ao Yukikaze! - Comemorou o homem com sua chegada.
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Permissão para entrar a bordo, capitão. - Acenou ansioso, com alegria.
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Eu não sou o capitão, idiota! Mas pode subir à bordo. - Autorizou.
Vendo que a tábua estava recolhida, Daisuke fez mira e saltou na lateral do navio onde escalou por segundos até chegar ao convés e só pôde ver a beleza da embarcação. Era um navio robusto com dois mastros principais, o Yukikaze tinha sua cor de madeira escurecida por piche para se esgueirar na escuridão. Com a proa afiada para cortar as águas rapidamente, ele sabia, mesmo com sua pouca experiência, que aquela embarcação foi feita para ser rápida e forte. -
Você deve ser o Saru de que tanto falam. - Indagou uma voz atrás do leme. Animado, o jovem se virou na direção da voz e se surpreendeu com o homem que ali estava. Com uma grande jaqueta negra que cobria até os joelhos e calças brancas, o elemento parecia saído de um filme pirata.
Aparentando seus cinquenta anos, o velho trazia um sabre com bainha polida que reluzia contra o sol na lateral da cintura e sua barba, negra como a noite, deixava apenas sua boca com poucos dentes à mostra. -
Isso mesmo, coroa. - Respondeu tentando segurar as gargalhadas por causa da aparência da figura, mas, pela sua mudança de postura, desconfiou que o coroa percebera o escárnio por trás de sua resposta. Então, com um único e silencioso acenar de cabeça, o homem comandou a um marinheiro para que entregasse ao novato o esfregão e o balde que utilizava. Daisuke não entendia o que se passava, mas mesmo assim agarrou o material e esperou alguma palavra do pirata. -
Sou o capitão desse navio. Não é de bom grado destratar seu comandante no primeiro dia de trabalho, não? - Comentou o homem com um sorriso desdentado. Foi o suficiente para que o loiro percebesse que o velho era bem mais astuto do que esperava.
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Pois é, Saru. Parece que começou com o pé esquerdo. - Brincou Lian, saindo de sua cabine.
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Não se esqueça do meu papel aqui. Limpe o convés. - Comandou com um sorriso no rosto.
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Mas não... Mas... Mas... - Balbuciou ao se voltar para o capitão que sequer intercedeu.
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Você ouviu o seu mestre. Termine o serviço. - Deu de ombros o banguela, parecendo não se importar.
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Prepare-se garoto. Porque essa viagem será longa. - Concluiu Daisuke, satisfeito com a nova missão.
CONTINUA...