Despedida
~ Um adeus num turbilhão de emoções ~
Voltou-se na cama. E uma outra vez. E outra vez. Arrumou os seus cabelos caramelo da sua cara ao senti-los a emaranhar em frente da sua boca e suspirou. Não conseguia dormir. Os acontecimentos daquele dia ainda pulsavam na mente dela e não a deixavam descansar. E aquelas palavras… Que poderia ela não saber sobre as suas origens? A sua família era uma orgulhosa família de Konoha. Não eram muitos, mas… Não queria pensar que a sua própria família lhe podia estar a esconder algo.
Ayame acabou por se sentar na cama, com os pensamentos a rodopiarem na sua cabeça. Precisava de acalmar e tentar esquecer aquilo. Queria tomar alguma coisa. Um chá, talvez. Não estava muito confortável naquela casa enorme que não conhecia, mas iria descobrir onde era a cozinha.
Saiu do quarto, fechando a porta com cuidado atrás de si, e caminhou pé ante pé para não acordar ninguém. Estava já no rés-do-chão quando sentiu uma presença por perto e, ao voltar-se, viu o luar a cintilar no vermelho dos cabelos de Azura.
- Desculpa, acordei-te? – perguntou ela, preocupada. Pensava que tinha sido silenciosa!
- Não. Estava acordado. Estive a… Pensar – respondeu o kirinin. Ainda estava meio perdido nas suas conclusões. Estivera a ponderar as suas hipóteses para o futuro. Quando a ouvira no corredor, acabou por despertar daquele torpor meditativo e seguira-a por simples curiosidade.
A konohanin abriu por fim uma porta que deu para a cozinha e convidou-o a acompanhá-la. Rapidamente encontraram as canecas e, enquanto a água fervia, a rapariga apenas estalou os dedos e algumas flores secas surgiram nas suas mãos. Dada a curiosidade de Azura, explicou-lhe que eram flores de lavanda e os seus benefícios. Embora não entendesse a necessidade de tomar o chá, ele aceitou a caneca que lhe era estendida e acompanhou a kunoichi até ao salão onde tinham estado horas antes a conversar por entre os sofás e almofadas.
Foi então que Ayame quebrou o repousante e compreensivo silêncio, confessando o que a perturbava. Não conseguia conceber a ideia de que Kami pudesse estar certo acerca do passado da sua família. Suspirou.
- Os Midori são a minha família. A minha verdadeira família. Embora os Sakuragi também o sejam, tecnicamente, parecem não o ser… Duvido que ele se refira a eles.
Azura ouvia atentamente a jovem. Respeitava os desabafos dela, tal como ela respeitava as suas perguntas e tentava responder como sabia. Em geral, ele apenas fazia perguntas um pouco abstractas e que exigiam um pouco de organização mental por parte da rapariga. Conseguia entender o esforço dela sempre que a questionava.
Reflectiu um pouco sobre aquilo que ela lhe tinha dito, observando o movimento do chá nas suas mãos. Não entendia um conceito que ela usara.
- O que é “família”? – perguntou ele. Ao ver o ar confuso da jovem por ser uma pergunta bastante concreta, reformulou a pergunta: - O que significa ser família?
- Bem… - iniciou Ayame, tentando raciocinar um pouco. Não sabia como explicar aquilo sem vaguear um pouco. Mas ele conseguiria acompanhá-la ou assim esperava ela. Ele era bastante inteligente para o que queria. – Família é aquele grupo de pessoas com as quais podemos ou não ter uma ligação de sangue, embora normalmente seja atribuído às pessoas de sangue, mas entre as quais há um grande suporte. Vai mais longe que o conceito de amizade. É mais forte. É como se tivessem nascido e crescido juntos ao ponto de serem tudo uns para os outros. Pelo menos, esse é o conceito de uma família real, na minha opinião. Há famílias que não são tão… Presentes, digamos. E ainda se denominam de família, apesar de eu não considerar tal coisa – ela suspirou. Azura perceberia de imediato que ela dera o exemplo da sua família e dos Sakuragi. – Família é bem mais do que conviverem. É uma coisa que se sente.
- Que se sente? – murmurou Azura, procurando a confirmação. - Então o que une a família?
- O amor.
- O que é o amor?
Outra pergunta difícil. Ele tinha realmente uma queda por perguntas difíceis.
Ayame teve que pensar por uns momentos, bebericando o seu chá. Quando achou que finalmente tinha uma resposta, pousou a caneca na mesa de centro à sua frente.
- O amor é possivelmente o sentimento mais forte. É o extremo oposto de ódio. Como são ambos muito parecidos em termos de intensidade, há quem confunda. No entanto, há uma diferença clara entre eles. O ódio é aquele sentimento forte que leva uma pessoa a querer matar outra, por exemplo, ou a querer esquecê-la com todas as forças. Há muita raiva, muita revolta. O amor… É o oposto, como te disse. É mesmo muito intenso. É aquilo que nos leva a querer fazer tudo pelo outro, não importa o quê, nem que seja ir até aos confins do inferno. Ou o covil da Akatsuki, que é quase a mesma coisa – e riu-se com a sua pequena piada. Azura continuou a olhar para ela, à espera da continuação. Ele não entendera a piada? Ela resignou-se e retornou à explicação: - É querer tanto o bem daquela pessoa que pronto, está-se disposto a tudo. É ser-se feliz porque se sente aquilo por alguém e é-se ainda mais feliz quando a outra pessoa retribui. Aí sabemos que estará tudo bem.
Azura voltou a ficar em silêncio, em reflexão. Aquela resposta dela dera-lhe outra dúvida.
- E como se sabe que se sente isso?
Ayame corou um pouco ao pensar que tinha que explicar aquilo. Era um pouco embaraçoso.
- Bem… Não sei se sou a pessoa mais indicada para te dizer isso…
- Não sabes?
- Não sei se sei.
Era uma explicação lógica para não saber explicar. Não ia insistir nisso. Continuava com dúvidas, ainda assim. Havia algo dentro dele que quase gritava com questões depois daquelas palavras, que o fazia querer fazer algumas coisas que ele não entendia. Ele queria saber o que era. Não sabia se conseguiria explicar, tendo em conta que entendia aquilo como sendo um conceito abstracto e não se sentia confortável a explicar algo que não conhecia. Tentaria, ainda assim.
- Eu… Cá dentro… - balbuciava Azura, tentando encontrar as palavras para se exprimir.
A kunoichi fitava-o, procurando entender o que ele queria. Ele estava com dificuldades. Talvez ele tivesse dificuldades com as palavras?
- Quero que me expliques o que é isto – disse ele finalmente, decidindo não exprimir aquilo por palavras, mas sim pela acção que aquela voz dizia para ele fazer.
Azura pousou a caneca que estava nas suas mãos e, ao aproximar-se da rapariga, encostou os seus lábios frios aos dela, beijando-a. Afastou-se pouco depois, ao sentir os lábios dela a queimar. A rapariga permanecia estática, completamente corada, arfando suavemente para recuperar a respiração. Ele não precisava de lhe tocar novamente para sentir que a temperatura dela aumentara. Sabia que esses eram indicadores para se ficar preocupado.
- Estás doente? – perguntou ele de imediato, sendo o que lhe fazia mais sentido.
Ayame não conseguia responder. Não era a primeira vez que a beijavam, mas era a primeira vez que ficava sem conseguir reagir. Fora apanhada de surpresa? Ele era provavelmente a última pessoa que imaginava a fazer aquilo. Mas ele era um homem, no fundo. Ela apenas não olhara para ele como tal. Até àquele momento.
- Não, tu é que estás! – disse ela, quando finalmente conseguiu pronunciar alguma coisa. Até esquecera tudo o que a preocupava.
Ele olhou para as mãos e levou-as à cara para sentir a sua própria temperatura, tentando perceber como era possível estar doente quando não se sentia mal.
- O que é que eu tenho? – inquiriu ele, preocupado. Ela era médica. Ela saberia diagnosticar.
- A doença do amor – respondeu ela, num tom de voz baixo com tanto embaraço. Ficara tão corada que escondeu a cara entre as mãos.
O kirinin demorou-se em pensamentos, tentando entender o que ela diagnosticara. Deveria ser aquilo que chamavam de “forma de expressão”. O movimento ao lado dele retirou-o da sua linha de raciocínio. Ayame levantara-se de repente, murmurando que deveriam ir para as suas camas, e tomou a iniciativa de o fazer rapidamente. Ele anuiu, arrumando também a sua caneca na cozinha, e seguiu para o primeiro andar da mansão, para o quarto que lhe fora destinado. Sim, talvez fosse boa ideia dormir. Talvez curasse essa “doença” que ela falara.
Pela manhã, enquanto tomavam o pequeno-almoço, Azura reparou que Ayame retomara à sua personalidade habitual. Seria então uma boa altura para lhe falar das conclusões a que havia chegado sobre si mesmo. Ela tinha-lhe dado a coragem que ele necessitava, a aprendizagem que lhe faltava. E aquela viagem com ela, com aqueles que lhe queriam bem, provavelmente teria chegado ao fim.
Chamou-a quando ela se levantou da mesa, achando curioso o ar de espanto que teve naquele segundo e que se esforçou para esconder, e dirigiram-se para a varanda para apreciarem aquela manhã.
- Então querias falar comigo?
As palavras dela entalaram o que ele tinha para dizer momentaneamente. Engoliu em seco e respondeu afirmativamente.
- Eu… Tomei uma decisão. Vou voltar a Kiri. Preciso de lá voltar. Preciso de enfrentar os meus demónios – admitiu o ruivo. – Tal como tu enfrentaste. De certeza que percebeste como o Kami era e ainda assim enfrentaste-o por um bem maior. E agora vais enfrentar os teus antepassados para encontrar as tuas respostas. Eu devo fazer o mesmo.
Ayame enrubescera com o elogio implícito no que ele dissera. Acalmou-se e finalmente conseguiu dizer:
- Fico feliz por ti, Azura. Encontraste o teu caminho!
Naquela tarde, o kirinin iniciou as despedidas a todos que o acolheram de braços abertos. Não vira Ayame durante um tempo e pensara que iria embora sem poder agradecer-lhe por aqueles momentos. Até que ela surgiu, ofegante, quando ele já se encontrava no hall de entrada da mansão, com uma grande caixa. Ela colocou-a nos braços dele, dizendo que era um presente seu e que esperava que ele gostasse.
Na caixa encontrava-se um conjunto completo de roupas que ele poderia usar no seu dia-a-dia enquanto shinobi e, surpreendentemente, uma armadura de braço. Ela lembrara-se do selo na sua nuca e do seu verdadeiro aspecto. Pensara nele quando escolhera aquilo.
- Espero que gostes! – exclamou ela, sorrindo. Estava a tentar encorajá-lo à sua maneira e esperava que ele entendesse.
Ele agradeceu. Recebera muito mais dela do que poderia ter imaginado. Ainda antes de partir, Ayame abraçou-o e agarrou nas mãos dele, entusiasmada com a decisão dele.
- Força, Azura! Vai e conquista o teu destino! Eu confio em ti!
Algo chamou dentro dele naquele momento e acabou por se manter em silêncio. Não havia nada mais que pudesse dizer e não daria ouvidos a um instinto que, provavelmente, ainda era um resquício da noite anterior. E assim partiu, deixando em Cha no Kuni os irmãos Midori e o melhor amigo deles. Agora todos eles tinham uma nova batalha para assumir.
- Spoiler:
Já tinha esta cena praticamente escrita há meses... Por isso terminei tudo, contextualizei e pronto, here it goes
Hoje foi uma dose valente de escrita!