Os dias passavam-se em kirigakure sem trazerem grandes mudanças na vida de Zehel, ele aproveitava os dias livres que tinha sem os stresses dos últimos tempos, não estava mais em guerra nem precisava de controlar nenhum dos seus poderes. Tudo estava bem, porém no fundo do coração do rapaz ele sentia que faltava algo. Ele precisava algo mais do que aquela paz, aquela inutilidade diária que o faziam sentir-se desnecessário em qualquer lugar. Precisava de alguma emoção na sua vida, algo que lhe fizesse o seu sangue pulsar intensamente, que fizesse os seus poros abrirem-se e os seus pelos eriçarem-se com a pura emoção de fazer algo. Faltava-lhe... Um propósito.
Sentando-se novamente no telhado do escritório do Kage a horas nada aceitáveis, observava o nascer do sol na vila que ele tanto sentira falta. Finalmente tinha chegado a casa, porém sentia-se algo vazio e sem saber que rumo tomar. Ainda não era altura de ele reconstruir em pleno o clã, ainda haviam muitas ameaças que apenas os lideres mais antigos dos quatro clãs podiam entender, não ia ser em nada útil à Dark Destiny e ali na vila não sabia muito bem o que fazer em si. As missões que lá haviam eram logo requisitadas por equipas de ex-gennins, ansiosos por testarem os seus poderes e deixavam-no sem grande margem para trabalhar.
- Tantas questões Zehel. - dizia a voz de Tsukiko enquanto se materializava ao lado dele. - Sinto a tua dor, o teu sentimento de falta de caminho, como se o teu chão te tivesse sido roubado debaixo dos teus pés e te deixassem a flutuar sem rumo.
As palavras da rapariga provavam que ela realmente estava ligada não só fisicamente a ele como também mentalmente, a dor que ele sentia, quer fosse física quer fosse psicológica, iria reflectir-se em Tsukiko. "Definitivamente a Soul Stone era um artefacto interessante", pensou o rapaz enquanto massajava o centro do seu externo onde a cruz de cicatrizes se encontrava revelando parte da esfera azul que lhe fora inserida no peito.
- Ninguém te roubou a tua estrada, neste momento ela está apenas... Enevoada. - falou a loira com uma entoação emocional enquanto olhava para a vila. - Parece-me a palavra correcta tendo em conta que estamos aqui. O nevoeiro pode ser traiçoeiro para aqueles que não o conhecem, mas tu não és desconhecido do nevoeiro, habitas numa vila que está quase diariamente encoberta pelas sombras brancas, o teu caminho está sempre enevoado no entanto tu sabes perfeitamente orientar-te aqui na vila. É semelhante com os teus objectivos, se tu te conheceres nunca te vais perder, por muito que tentem roubar-te o caminho. - explicava a rapariga num discurso emocional e profundo.
- E se eu não me conhecer assim tão bem, Tsukiko? E se neste último ano, com toda a confusão que foi havendo, o clã, a guerra e o cursed seal, eu tiver mudado sem me aperceber e tiver neste momento perdido sobre o que fazer. - ripostava o chunnin com uma dúvida existencial de dificil resolução.
- Tu não mudaste, é exactamente por teres todas essas dúvidas, "O que faço? Será que escolho correctamente o meu caminho? E se eu estiver errado?", que eu te digo que continuas a ser tu. Sempre preocupado em fazer o que está correcto independentemente de ser o que tu queres ou não. - dizia a espirita colocando a sua mão pálida sobre o peito do rapaz. - Tens de seguir o teu coração, seguir aquilo que o teu corpo te diz para fazeres. Nestes últimos meses Kari ensinou-te a não te focares nas tuas dúvidas pois elas eram a fraqueza do cursed seal, porém não são a fraqueza do cursed seal apenas. Essas tuas dúvidas são em ti a tua fraqueza, não é o teu físico, a tua inteligência, os teus poderes, a tua força, não esses estão todos trabalhados e preparados para resistir às mais difíceis façanhas. No entanto se te colocam um desafio existencial diante de ti tu partes-te como um ovo debaixo da pata de um elefante.
Zehel escutava atentamente as palavras da rapariga que sabia exactamente tudo o que se passava na cabeça dele, todos os conflitos emocionais e existenciais que ele defrontava diariamente. Era ela quem lhe conseguia dar os conselhos mais certos, era ela que lhe conseguia afastar um pouco do tal nevoeiro que toldava o caminho. Porém ela não era mais do que um sopro que tentava afastar uma nuvem, ele era a verdadeira força que a poderia desfazer, só ele conseguiria desvendar o seu caminho e naquele momento não estava sequer confiante de conseguir fazer isso. Tinha desenvolvido todos os seus poderes, toda a sua força, mas ainda assim não era forte o suficiente para afastar a sua dúvida mais profunda, "Serei eu forte o suficiente para percorrer o meu caminho?"
Tsukiko tinha voltado a hibernar para o interior da Soul Stone deixando-o perdido de novo aos seus pensamentos. Tinha sido ali deixado para meditar sobre as palavras que tsukiko lhe tinha dito, para tentar encontrar uma resposta para afastar aquilo que lhe toldava o seu destino.
- Ela tem razão, em tudo o que disse. - falou uma voz atrás dele.
Sem força para reagir devido ao seu frágil estado psicológico, Zehel suspirou apenas na presença do Kage de kirigakure que subira de propósito ali ao telhado. O homem olhava-o de pé, não conseguindo evitar sentir um pouco de pena pelo rapaz estar assim tão perdido. Tinham falado no primeiro dia que ele regressara à vila, mas ele foi lentamente perdendo o brilho com que tinha regressado à vila.
- Não sei bem o que fazer Okashi-sama, sinto que perdi o meu propósito. - dizia Zehel quebrando o silêncio que se havia formado entre eles.
- Isso é apenas porque estás de olhos fechados rapaz, as palavras daquele que se sentou neste mesmo local à uma semana atrás pareciam-me cheias de propósito. A tua preocupação com a vila parece-me ser bastante profunda, nota-se pela forma como fazes as tuas missões, não só pensando em cegamente cumpri-las mas também em fazê-lo da melhor forma para a vila. Salvas-te a empresa de Patch mantendo uma linha gigantesca de negócio em Kirigakure quando outros simplesmente poderiam ter cegamente destruído os oponentes sem se preocuparem sequer na relação com os marinheiros afectados. Na tua última missão de caça trouxeste a criminosa de volta tendo aprofundado a razão dos crimes de modo a desvendar realmente quem era o criminoso. Como achas que a Kurin se sentiria se visse que aquele rapaz trabalhador que se dedicou a duzentos porcento para a salvar estava agora numa situação tão frágil quanto a dela? - expunha o kage tentando mostrar ao rapaz o caminho a seguir. - Sempre te esforças-te para fazer o melhor para a vila, como dizes que não tens um propósito. Estás perante o teu propósito! Se realmente as palavras que me dirigiste quando nos encontramos pela primeira vez aqui eram realidade então tens mais que um propósito, tens imensos propósitos, um por cada cidadão desta vila que se por algum motivo estiver em apuros tenho a certeza que tu darás tudo por defender! - falava Okashi-sama estendendo os seus braços para kirigakure enquanto tocava no coração indeciso do rapaz.
Sim, a vila era a resposta que o nevoeiro escondia, no fim da estrada que ele seguia estava lá a sua vila, kirigakure no sato. Aquele seria o seu propósito por trás de tudo. Os olhos do rapaz brilhavam com alguma humidade olhando para os contornos da sua casa, todas as pessoas que ali habitavam eram o seu propósito. Zehel apercebera-se da sua parvoíce ao não ter conseguido ver para além do nevoeiro que lhe toldava a vila, deixara-se vaguear em pergunta inúteis quando o caminho que ele procurava estava já debaixo dos seus pés.
Com um fôlego renovado o rapaz levantou-se e limpou os olhos à manga do seu casaco azul escuro.
- Está decidido, o meu propósito é defender esta vila! - exclamava em plenos pulmões do telhado do escritório do Mizukage.
Okashi-sama já se tinha retirado, mantendo na sua cara um sorriso contente por ter conseguido afastar com sucesso os demónios que bombardeavam o coração de Zehel com dúvidas e incertezas. Quem sabe estava ali no seu próprio telhado um shinobi com potencial de vir a tornar-se guarda costas pessoal dele.
Do telhado, o shinobi inspirava fundo o ar fresco que arrefecia Kirigakure expandindo ao máximo os seus pulmões. Estava decidido a dedicar aquele tempo para melhorar a sua vila que era a sua casa. Abrindo os olhos do ponto mais alto de Kirigakure, conseguia ver o movimento dos habitantes da vila na via principal onde todo o comércio era feito. Um aglomerado de pessoas afastava-se de uma banca deixando um homem encorpado com roupas estranhas frente-a-frente com o vendedor idoso. A coisa parecia estar feia, Zehel conseguia entender isso pelo facto de quem estava no local mantinha uma distância aceitável e todos pareciam estar perturbados, a sua habilidade para detectar chakra dava-lhe a entender que os ânimos não estavam bons. O estrangeiro estava a gerar confusão, aproximava-se demasiado do vendedor idoso e adoptava posturas agressivas enquanto falava com ele.
Deixando o seu chakra fluir, libertava o seu selo amaldiçoado de modo a aumentar as suas capacidades físicas. Com um sonido, desaparecia do telhado em direção à confusão do mercado deixando uma orla de condensação ao bater a velocidade do som. Num instante surgia diante do estrangeiro e do mercador assustando alguns dos presentes.
- Larga o mercador, estrangeiro, não causes confusão na vila por favor. - pedia Zehel ao homem encorpado, trazia um kimono castanho e uma katana presa à cintura.
- Hein, uma pessoa tenta negociar um pouco os preços e é logo chamada a cavalaria? - falava o homem ainda agarrando no homem idoso pela roupa.
- Não me parece que estejas propriamente a negociar. Vou te pedir de novo, larga o mercador, isto se queres manter a tua mão presa ao corpo. - falou agora o chunnin num tom mais ameaçador.
- Olha-me este, o que é que tu queres oh pirralho. - ripostou o homem com agressividade na voz largando o mercador para fitar Zehel. A sua mão agarrou instintivamente na sua katana.
O chunnin imitou o movimento, colocando a sua mão esquerda sobre a bainha da sua senshi no ken e pressionando o polegar na guarda de punho de modo a desprender a lâmina da bainha. A multidão calara-se ao sentir a pressão que se fazia sentir em frente à banca do mercador. O samurai estrangeiro e o shinobi fitavam-se agressivamente, aguardando pela parte fraca de algum deles.
- Se não tens mais nada a negociar com ele, podes voltar para trás. - provocou o rapaz que ainda não tinha levado a sua mão direita ao cabo da arma.
Fora a gota de água, o estrangeiro agressivo urrou enquanto puxava a sua katana para fora da bainha e preparava-se para investir na sua direção. Num movimento fluido, o chunnin moveu-se com recurso ao seu sonido passando pelo homem enquanto desembainhava a sua senshi no ken e o atingia com as costas da lâmina. O homem sentiu toda a força do ataque do rapaz sendo impulsionado para trás, caindo de rabo no chão enquanto se agarrava ao sitio onde tinha sido cortado.
- Não te preocupes, usei as costas da katana. - falou o chunnin mantendo-se com a postura muito firme transmitindo confiança na sua habilidade. Ele sabia que o seu nível da arte da espada estava muito acima daquele estrangeiro. - Aconselho-te a não causares mais caos na minha vila, da próxima vez podes não ter tanta sorte.
E deixando aquelas palavras de ameaça no ar, enquanto embainhava a sua arma, desapareceu com um novo sonido, deixando para trás uma onda de choque que levantou alguma da humidade que havia no chão empedrado de Kirigakure.
Os olhos atentos de uma mulher que repousava misturada com a multidão captavam toda a cena que se passara ali.
- "Este rapaz tem um grande potencial... Se não tivermos cuidado poderemos ser destronados. Se calhar alguns dos dinossauros estão a precisar de serem substituídos." - pensou a mulher rindo-se alegremente com o seu comentário divertido.
Continua