Abriu a porta, fazendo com que o som da madeira a roçar uma na outra se juntasse ao bater de tachos na divisão mais á frente. A porta fechou-se atrás de si cobrindo o cómodo na penumbra, cortada por finos raios do luar que espreitavam pelas persianas de madeira.
Aproximou-se da cozinha, encostada á parede e observou a avó que entrara na divisão. Os seus cabelos brancos estavam apanhados por uma mola dourada brilhante que fazia realçar as suas orbes castanhas. As rugas na sua cara marcavam os 63 anos vividos intensamente, rugas que marcavam um sorriso inalterável durante anos, contrastando com vestígios de quem passou por momentos difíceis. Vestia uma túnica castanha escura que lhe caia a meio da coxa, sobre umas calças negras, que expunham o luto pelo marido, e mais recentemente, pelo filho. Ambas as mulheres se mantinham em silêncio, lançando entre si olhares furtivos de ódio, trocados durante muitos anos. Akemi sentou-se e desviou o olhar para o corredor oposto ao que entrara.
- Yin, podes entrar…se quiseres – sorriu, fixando a neta que entrava agora lentamente na cozinha bem iluminada.
Sugoi… a morena entrou, sentando-se ao lado da avó, seguida pela mãe, que arrastou a cadeira á sua frente.
-Então…como vão as coisas Yin? – disse Akemi cortando o silencio que tinha um papel fundamental em todos os jantares com as três juntas.
- Bem, vim á pouco tempo de uma missão, foi muito divertida…dentro dos possíveis claro, tivemos alguns percalços… como em todas as missões – riu - mas estou ansiosa por começar uma nova.
-Aquela adrenalina – esboçou um sorriso nostálgico, Yin acenou entusiasticamente à medida que engolia.
-Chama-lhe mais suicídio… – disse Amaya entre dentes, mantendo a cabeça baixa. Embora tenha falado num tom baixo foi o suficiente para que as cabeças da filha e da sogra se virassem na sua direcção.
-Desculpa? – a morena olhou para a mãe com um ar surpreendido.
-Sim suicídio, vocês vão e vêem nessas
missões, arriscam a vida sem mais nem menos! Não podem ser tão imprudentes, existe mais no mundo do que andar á luta com espadas aqui e ali!
A mulher deslocava o olhar da filha para a sogra, mantendo um ar calmo, como se já soubesse a desfecho da conversa, como se já a tivesse ouvido antes.
-Como podes sequer dizer isso duma coisa que não conheces, que não sabes!
-Yin… - murmurou Akemi, como se num conselho silencioso para a rapariga parar. Yin ignorou, colocando as mãos sobre a mesa bruscamente.
-Passas os dias enfiada nesta casa, de um lado para o outro, numa bolha em que metes na tua cabeça que assim é que o mundo é prefeito. Não vivemos num mar de rosas mãe! Nem eu e muito menos os outros ninjas acreditamos nessa utopia! Arriscamos a nossa vida, sim. Mas é por isso que treinamos para estarmos preparados para tudo,
precisamos de estar preparados para tudo! Para proteger a vila, para proteger as pessoas que gostamos e também para proteger pessoas como tu, que não vêem o que está á frente dos seus olhos. O pai viveu para isso! Podes olhar pela janela e ver flores, arvores, pássaros, mas onde há o Ying há o Yang e se olhares bem consegues ver o sofrimento e súplicas por ajuda, talvez não tanto agora mas já houve, e muito graves, graves o suficiente que marcaram a vida de todos para sempre!
-CHEGA! – As suas morenas estavam agora de pé - Eu posso não saber tudo isso, posso não saber os vossos truques e testamentos que juram não contestar, mas uma coisa eu sei, o teu pai, que como dizes viveu para tudo isso, morreu por vossa causa! Morreu por causa de gente como tu e os outros iguais, se simplesmente tivéssemos uma vida normal, como as outras pessoas, ele ainda estaria aqui! Mas o teu pai sabia o que fazia, tentei dissuadi-lo mas falhei; mas agora tu - falou com um tom repugnância na voz - porque que não podes levar uma vida normal, como as outras raparigas; sem preocupações.
-O pai tinha orgulho do que fazia! Ele morreu por uma causa nobre mais do que tu poderias alguma vez desejar fazer. Olha á tua volta mãe! Já ninguém vive assim! Eu não conseguia passar o dia em casa a, a limpar o pó e a… a cozinhar sabendo que posso ser útil algures, posso realmente ajudar alguém! Isto és tu, não sou eu! Tu optas por viver numa ilusão que nunca te levará a lado nenhum, eu prefiro ver a realidade!
-Por vezes viver numa ilusão é a melhor maneira de lidar com as coisas!
Durante uns segundos o silêncio reinou na sala. A rapariga olhou para a mãe com desdém.
-A realidade pode ser dura, mas será sempre a forma mais honesta de lidar com a vida. – Yin virou a cara e saiu da cozinha deixando a trás de si o som da sua cadeira a cair no chão.
Amaya levou a mão ao peito onde por baixo do tecido esmeralda do seu kimono sentia o fio com a pedra que sempre a acompanhava. Mantinha o olhar fixo na cadeira caída enquanto se apercebeu que Akemi saira da divisão e dirigira-se para o quintal.
Yin fechou a porta do quarto, a sua cara mantinha o mesmo ar sério de á momentos atrás, despiu cuidadosamente o kimono bordeaux e vestiu o pijama, levantando os lençóis da cama cuidadosamente e tapando-se com estes. Virou-se para a parede. Fechou os olhos e deixou com que a penumbra existente no quarto a envolvesse num sono, desejando mais do que nunca que este fosse bem longo.
____________________________
O sol bateu na janela do quarto, entrando pelas pequenas frestas da persiana de madeira que caía, ficando a uns centímetros do chão, exactamente onde a janela acabava. Os pequenos fluxos de luz incidiram na cara da rapariga de cabelos pretos, despenteados. Abriu os olhos lentamente deixando com que a sua cor prateada se distinguisse da penumbra que se dissipava, á medida que o sol ganhava intensidade e que a manha avançava.
Olhou para o relógio em cima da mesa ao seu lado
Nove horas… ainda tenho tempo. Levantou-se, puxou as persianas para cima, inundando o quarto com uma luz intensa. Pegou na roupa e dirigiu-se até á casa de banho ao lado do seu quarto. Abriu a torneira. O som da água a correr era relaxante, concentrou-se no som das gotas a baterem no chão, a baterem na sua pele despedaçando-se de seguida em milhões de pequenas partículas. A temperatura da agua estava razoavelmente fria o que a fez despertar rapidamente. Cerca de 15 minutos depois a rapariga já estava vestida e a porta da casa de banho abriu-se. Dirigiu-se á cozinha. A sua cadeira já estava no lugar respectivo e a mesa arrumada. Na mesma cadeira que na noite anterior estava Amaya. Lia um livro, aparentemente concentrada nas palavras nele escritas, mas não deixou de ouvir os passos da filha a aproximar-se. O silêncio mantinha-se, ambas ignoraram a presença uma da outra na mesma divisão. Yin pegou numa maçã e saiu pelo corredor que a conduzia ao jardim da frente. Abriu o portão de ferro empurrando-o para trás com força suficiente para fazer ecoar o bater do metal. Levou uma das mãos ao pescoço tentando tapa-lo com a gola da camisola inutilmente, estava mais frio que o habitual e Yin pensou que se calhar devia ter optado pela água um pouco mais quente.
Virou a esquina. Longe, um enorme edifício cilíndrico distinguia-se das outras casas que preenchiam as ruas.
Porque é que eu tinha de viver tão longe do centro da cidade…bem…ainda tenho muito que andar.Mordeu a maçã e começou a correr em frente. Daqui a 10 minutos chegaria ao seu destino. A sua respiração começou a notar algum esforço enquanto o seu corpo se debatia contra o frio. Lembrou-se da noite anterior, acelerou o passo e sussurrou.
Esta é a realidade.- Spoiler:
1º- "Sugoi" é equivalente a great, óptimo que é utilizado num sentido irónico por Yin.
2º- Eu sei que demorou algum tempo, mas espero que gostem e pode parecer que a historia nao esta a levar a muito mas peço alguma paciencia porque o melhor ainda está para vir
.
3º- Quero agradecer á Brufan que me criticou e fez com que mudasse o final (e que tenha ficado melhor espero
)