Filler 21 – Sonhos, Caminhos, Loucuras
Era isto que queria que tivesse acontecido, mas não foi. A parte em que chega-mos à ilha, nunca aconteceu. Apenas o Conselheiro chegou lá e acabou por tornar aquela ilha o habitat dos Lagartos. Nunca ninguém voltou a tentar entrar depois dos mitos sobre monstros gigantes que lá viviam se terem espalhados. Mas como eu ia a dizer, a Taka, eu e o Monda nunca chegamos a ver o nevoeiro ao longe se quer.
No caminho passámos por um homem, parecia velho, que se encontrava quase morto em cima de uma rocha perto de uma praia. Caminhámos para ele. As barbas deste cresciam longas pelo corpo, as rugas da face pareciam pequenas crateras que lhe vincavam a pele, o pesar da idade estava bem ali marcado no rosto deste homem e as castanhas roupas molhadas que vestia, cravavam a pele permitindo contar as costelas uma a uma. Quando nos sentiu, acordou e olhou-nos sem grande estranhar. Parecia cansado, tentou falar mas faltava-lhe a voz. O Monda pegou nele e com a minha ajuda fomos até à praia onde montamos um pequeno acampamento, a tenda era feita de placas de terra concebidas pelo meu ninjutsu.
Passaram-se alguns dias, uns quentes, outros menos quentes, mas todos agradáveis e óptimos para descansar. O velho recuperou, fez a barba e lavou as roupas sujas. O seu aspecto já não aparentava a idade que inicialmente lhe demos, o homem contou-nos ter cerca de trinta anos, bastante jovem ainda.
— O meu nome é Surumo. - Disse-nos o velho. – A minha casa fica numa pequena vila perto de Sunagakure no País do Vento.
— Vendo por esta areia toda, deve ser onde estamos. – Conclui a Taka que segurava a minha mão calorosamente.
— Pois, não faço ideia. – Sobre o canto do olho uma pequena lágrima espreitava. – Perdi alguns pedaços da minha memória há coisas que não me encaixam na cabeça, estou a ficar louco e desesperado. – Neste momento as lágrimas intensificaram-se, e eu, confesso que fiquei com pena deste homem que vivia confuso. - Tenho memórias da minha linda vila, mas há coisas que não me encaixam na cabeça. Por favor ajudem-me a encontrar a minha casa. – Pediu Surumo numa das conversas, ajoelhando-se e colocando os braços para a frente como se nos venerasse.
Em conjunto, combinamos fazer uma viagem pelo País do Vento para ajudar o velho, tínhamos noção que era algo perigoso e arriscado, mas éramos jovens, foi isso que nos moveu. Num desses dias falei com o conselheiro dos Lagartos, ele disse-me que queria partir sozinho para a tal ilha. Claro que não lhe neguei, dava jeito a ambas as partes, quem sabe se futuramente poderia vir a precisar de invocar algum dos lagartos. Dei-lhe o portal que até ali tinha sido transportado por mim e juntamente com o resto do grupo despedimo-nos dele desejando boa sorte na viagem.
Nesse mesmo dia, arrumamos as malas e partimos já de noite para não sermos visto. O andar de Surumo também ele era deficiente e meteu-me a pensar, será que também tinha perdido parte da memória de como andar? Se sim, isso era gravemente preocupante, o que poderia ter acontecido para a memória do homem estar perdida? Prosseguimos a viajem pelas areias frescas do deserto nocturno. Era muito frequente encontrarmos escorpiões a esburacar na areia ou a enterrarem-se quando sentiam as vibrações causadas pelos nossos pés.
Surumo estava cada vez mais irrequieto, as suas mãos fechavam com força mostrando as veias das costas da mão e depois abria-as como se estivesse a aquece-las para depois esmurrar alguém. Sem dúvida alguma que ele se encontrava pensativo, raivoso e confuso. Enlouquecido passava as mãos pelos cabelos fartos com e de seguida puxava-os empurrando a palma da mão contra os olhos como se procura-se por alguma resposta. Ao fim de alguns tempos a observar o homem, não aguentei, também eu começava a desesperar com aqueles movimentos de loucura. Apertei-lhe um nervo sensível perto do omoplata e este ficou inconsciente, a Taka olhou para mim assim como o Monda mas limitei-me a mete-lo dobrado sobre o meu ombro.
No dia seguinte o velho acordou e confuso perguntou-me o que se tinha passado, omiti-lhe que não o aguentava ver a sofrer de loucura e disse-lhe apenas que tinha desmaiado, talvez por cansaço. Voltou a andar pelas próprias pernas e sobre um sol abrasador. O homem colocou um chapéu de palha na cabeça com fitas brancas em volta para protegerem a face e o pescoço do sol, enquanto nós os três sofria-mos com o poder do sol naquela zona árida. Felizmente começamo-nos a aproximar de um sítio com nuvens onde não chovia, mas protegia dos raios de sol directos nos nossos corpos.
— Esperem... – Disse o homem colocando as mãos à cabeça, virando a cabeça para o céu e soltando alguns gritos de desesperos, como se estivesse a ter a mente possuída por algo. – A minha memória... A minha memória, eu lembro-me disto, é aqui a minha vila.
— A sério? Estávamos mais perto do que pensámos. – Disse o Monda.
— Tenho quase a certeza, lembro-me destas nuvens nos dias de chuva, a minha vila é ali à frente. – Disse o homem com um sorriso preenchendo toda a cara.
— Desculpe a pergunta, Surumo-san, lembra-se se na sua vila existem mulheres com boas medidas? – Perguntou o Monda.
— Boas medidas? O que queres dizer com isso rapaz?
— Seios, rabos, boas. – Disse o Monda gesticulando para descrever o corpo de uma mulher abusando nos volumos que queria e quase a babar-se com a ideia, tive de o parar dando-lhe uma carolada, o Surumo-san de certeza que não tinha paciência para isso naquele momento.
— Tem pois, tens de ver a rainha da vila. – Disse Surumo. – É das poucas memórias que ainda guardo.
E nisto, chegamos à vila...
As nuvens sombrias faziam sombra nos portões retalhados de madeira cobertos por enormes muralhas. Muralhas estas construídas aproveitando o solo duro do deserto, as suas formas eram extensamente sombrias prolongando-se até uma grande altitude. Junto ao topo da muralha, quase a chegar ao céu, voava um bando de corvos negros a guinchar dando ainda mais um clima negro à vila.
Ao lado do portão havia uma árvore de copa cinzenta com raízes prolongadas pelo chão como veias de um corpo, os troncos eram extremamente curtos, havia um que desafiava os restante e se prolongava mais um bocadinho, na ponta desse ramo havia um candeeiro verde com uma vela vagamente acesa guardada por um homem de capuz e manta negros.
O que nos espera esta vila?