Desorientado

O punho de Katsu apertou-se firmemente num controlo de raiva, perfeitamente demonstrada pelo seu olhar. Gaina percebeu, mas apenas se riu secamente.


Então nunca passara disso: salvar-lhe a vida quando o Suika e o Santon entraram em conflito e ajudá-lo a recuperar o seu passado e obter o Fuumetsu Mangekyo Sharingan, apenas pequenos favores para obter a sua confiança; pedir para espalhar a fama de ele ser o líder da Akatsuki e participar no Torneio de Todos os Ranks, um bode expiatório enquanto ela era o verdadeiro perigo. Ofendeu-se mentalmente por ter sido, mais uma vez, tão ingénuo. À sua frente, a imagem de Tsutao materializou-se, ele também a ferver de raiva.
- Toda a nossa vida... - Falou, arregaçando a manga do seu manto azul e apontando o punho apertado na direção de uma Gaina que não o conseguia ver - As pessoas fizeram da nossa boa vontade brinquedos para as suas vontades egoístas: Hideyoshi a fazer o que queria de mim, tudo para a sua ideia de um "soldado perfeito"; o Oráculo a usar-te para enganar os Imagawa e traí-los... Morreram todos... - Aquela referência pesou no coração do Imagawa, que baixou o olhar - E agora, vêm-me esta lambisgóia a achar que pode fazer de nós o que quiser?! Eu...
- ... ESTOU FARTO! - Gritou Katsu, erguendo a cabeça e olhando para Gaina com uma fúria incontrolável. Deitou nela toda a culpa de não ter podido ajudar o seu clã quando mais precisara, a raiva de ter sido sempre usado para prejudicarem quem ele mais amava, o vazio de não poder olhar para o lado e ter a sua família consigo, a tristeza das pessoas que por ele morreram, o vão das suas mortes...
Num rugido, libertou-se da prisão e atirou-se contra Gaina, qual animal enraivecido. À sua volta ergueu-se um feixe de água afiado como uma espada e uma pequena serpente de chamas que sibilou labaredas. Habituada ao impressionante controlo elementar do seu subordinado, a Moremane limitou-se esticou o braço em frente, preparada para o combater. Foram as plantas de Konohanasakuya-hime que o intercetaram, agarrando-lhe o corpo com lianas e alguns troncos pequenos, impossibilitando-o de mover-se por muito que ele estrebuchasse e gritasse de raiva. O feixe e a serpente tentaram esticar-se para, mesmo assim, atingirem o alvo, mas não conseguiam afastar-se muito do corpo que as originou.
- Paciência, Uchiha! - Pediu a Deusa, consciente que os alter-egos haviam trocado - É imprudente gastar energias em esforços desnecessários quando nem é a verdadeira Gaina à tua frente!
- É verdade, é verdade! - Gargalhou a loira, não parecendo nem um pouco surpresa pela afirmação da Deusa - Isto é apenas um clone que introduzi nas costas do teu pescoço quando fiz a tua operação ao Sharingan. Foi uma das razões que me levaram a mandar-te buscar o passado do Tsutao, porque sabia que, como qualquer humano, cederias ao poder que o Sharingan traz. Depois foi só fazer uma operação e introduzir o clone, uma certeza para que o plano não falhasse.
Quando desistiu de lutar contra a força das plantas que o agarravam, Tsutao baixou a cabeça, usando o seu cabelo longo para esconder as lágrimas que retratavam a dor intensa que lhe ia no peito. A dor depressa foi substituindo a raiva. Não sabia se era a aura intensa de Konohanasakuya-hime ou o sentimento de impotência, mas, pela primeira vez na vida, sentiu que podia chorar a sua família: a morte da mãe, do padrasto, o desaparecimento do seu irmão de quem tanto tinha saudades... Entendendo o sentimento do seu criador, o feixe de água e a serpente de chamas foram perdendo força, como se chorassem, até desaparecerem completamente.
A Deusa da Natureza notou a tristeza que assomava-lhe o corpo, mas a presença de Gaina no momento era mais importante.
- Mas sabias que enquanto existisse o Kouseki no Keiteki, nunca terias essa oportunidade.
A Moremane virou-lhe um sorriso sarcástico, baixando os braços quando reparou que o alter-ego de Katsu não era mais uma ameaça.
- Foi por isso que aconselhei Katsu a buscar o seu passado, a ir atrás do Tsutao. Eu desconfiava que ele era um Tenkei, pois todos eles são, por norma, prodígios e depressa se destacam como ninjas poderosos. O plano era arriscado, e eu tinha obviamente um segundo plano caso este falhasse, mas felizmente correu como planeado. - O sorriso dela ficou mais largo - Não é à toa que sou um génio!
- Serias tão bem-tratada por nós se tivesses aprendido a respeitar-nos e à forma de vida que tanto abominas. - Proferiu a Deusa, esticando um braço em frente e deixando que uma pequena cobra serpenteasse ao longo da sua pele suave, descendo por um dos dedos da mão e esticando a cabeça, abrindo a larga boca e sibilando sonoramente com uma larga língua - Não permitirei que esta ousadia continue!
Uma quantidade interminável de cobras dispararam-se pela língua da primeira, inundando Gaina com o seu oceano de caudas a restringir, dentes afiados a perfurarem e espirros de veneno a espalharem maleitas.
- Já vais tarde, Konohanasakuya-hime... - Falou Gaina, fechando os olhos e começando a perder altura. A Deusa sobressaltou-se quando notou que o corpo dela se ia derretendo lentamente, soltando um pequeno vapor fedorento como se a sua carne e ossos tivessem a serem corroídos até não sobrarem nada.
As cobras ainda tentaram agarrar alguns pedaços do corpo dela, mas estes desapareciam nas suas bocas ou barrigas. Quando perceberam que o alvo simplesmente deixara de existir, serpentearem pela dimensão, desnorteadas, até que um murmúrio da Deusa as fez retornarem para o seu corpo, entrando pela sua pele esverdeada, como se fosse um plástico facilmente ultrapassável.
Os seus olhos esmeralda inexpressivos viraram-se para o lado, fitando atentamente o ainda cabisbaixo Katsu. O Uchiha largara-lhe o corpo, tendo vergonha de mostrar as lágrimas que ele próprio despoletara. Não vendo mais perigo naquele pobre humano, elevou um braço e comandou que as lianas e troncos também retornassem para o seu corpo. Observou-o a cair sobre o chão de joelhos, pousando ambas as palmas e, ainda assim, a não erguer a sua cabeça.
- Lamento, Katsu Imagawa, por todo o sofrimento que sombreia o teu coração. Peço-te que te acalmes e penses bem na situação, n-
- Não está tudo perdido? - A sua voz grossa habitual parecia mais frágil, saindo a custo. Os seus olhos escuros finalmente surgiram por entre o emaranhado do seu cabelo, fitando a Deusa intensamente - Eu não desisti... Nunca o fiz, agora que penso bem. É só que... Nunca tive a oportunidade de chorar a morte da minha família, nas duas vezes em que ela foi assassinada. - O olhar de Konohanasakuya-hime arregalou-se quando percebeu as palavras dele. Não se apercebera, até então, o que ele sentia, que logo as duas famílias...
O Akatsuki ergueu-se sem dizer qualquer outra palavra, não achando necessário. Limpou as lágrimas à manga do seu manto e fitou a mancha molhada que lá ficou. Sorriu para ela, pensando que já não tinha idade para chorar que nem um adolescente sensível, em como envergonharia a Sekima ou a Kimera com a sua fraqueza. Lançou uma ofensa mental a Tsutao, que foi respondida ao mesmo nível, e voltou a olhar para as esmeraldas da sua Deusa.
- Ela garantiu-me que os nossos sonhos eram semelhantes e que, por isso, deveríamos ajudar-nos mutuamente. Agora percebo que nunca fui tão próximo dela para saber se falava verdade. Parece que fui enganado... - Reparou que a Deusa o fitava inexpressivamente e sentiu-se obrigado a não dar a imagem que estava a desistir - Mas não se preocupe! Eu vou ao Torneio dos Deuses e conseguirei pará-la!
Apertou firmemente o punho, murmurando um mudo "Prometo!". Mesmo assim, a Deusa nada disse, continuando a avaliá-lo com o seu olhar esmeralda intenso e algo perturbador.
- Não deveria fazer isto, mas acho que é indicado para este caso. - Falou, por fim, não atenuando a força do seu olhar. O seu braço esticou-se em frente e começou a deslizar pelo ar, desenhando à sua passagem uma ténue linha verde - A Gaina não é igual a qualquer outro inimigo que já tenhas enfrentado. Para derrotá-la, precisas de a conhecer primeiro. - Quando parou de mover o dedo, um pequeno círculo formou-se, revelando no seu interior uma intensa e profunda sombra. - Este portal vai levar-te momentaneamente a um dos laboratórios de Gaina, que foi selado por mim pelas suas atrocidades contra a Natureza. Entra nele e recolhe o máximo de informações que conseguires. No entanto, devo avisar-te: apenas te vou dar um par de minutos, portanto aproveita bem a estadia. Não quero que vejas o que há lá, ninguém além de mim e a própria Gaina deve saber as barbaridades que lá foram cometidas.
O Imagawa hesitou ante o portal. Aquela sombra não era nada convidativa, mas o braço de Konohanasakuya-hime à frente parecia dar-lhe alguma segurança. Sobre o olhar atento da Deusa, deu alguns passos e colocou, primeiramente, o braço, tentando perceber se aquilo era realmente seguro.
- Não te esqueças: tens apenas uns minutos. Aconselho-te a procurares por informação e evitar quaisquer sons que oiças. Não quero que morras por minha causa. - Foram as últimas palavras que ouviu da sua doce voz, antes de ser empurrado forçosamente para dentro do portal.
A viagem foi mais curta e menos enjoativa do que estava à espera, assemelhando-se ao seu Kamui em que se traduzia unicamente em passar de uma dimensão para a outra. Uma escuridão e intensos calafrios abateram-se em Katsu. Olhou à sua volta, sentindo que em cada sombra havia um par de olhos a vigiarem-no, mas nunca conseguiu identificar nada em concreto. Quando o portal atrás de si se fechou, uma voz suave sibilou:
- Apenas uns minutos...
Soube dizer que era a Deusa, pelo que se apressou a seguir o aviso. Realizando alguns selos, criou quatro pequenas caveiras demoníacas de chamas à sua volta, que serviriam tanto para defesa rápida como iluminação do local abandonado. As primeiras coisas que saltaram à vista aquando a luz foram as longas mesas manchadas de sangue, com ossos à sua superfície cuja restante carne fétida estava a ser saboreada pelas nuvens de moscas que a rodeava. Ao lado da carne seguiam-se incontáveis utensílios habituais de laboratório, como frascos de diversos tamanhos e feitios, alguns vazios e outros a guardarem órgãos ou membros de seres vivos submersos num líquido estranho, mantas de aquecimento, facas, pinças e tenazes. Diversos pergaminhos também estava espalhados atabalhoadamente, mas ilegíveis devido à folha rasgada ou manchada por sangue, tornando a letra incompreensível. Um silêncio sepulcral estava instalado, aparte do zumbir das famintas moscas.
- Isto têm quantos anos? - Perguntou-se, elevando uma das caveiras para que iluminasse o tecto recheado de teias. Esperava ele serem de aranhas...
Suspirou, amaldiçoando-se por ter sido lançado para aquele lugar tão agoirento, e focou-se no seu objetivo. Tinha de encontrar alguma informação da Gaina que o pudesse ajudar! Revirou toda aquela divisão, não vendo nada mais do que já vira. Iluminou uma pequena entrada com uma porta à frente deitada, provavelmente havia sido deitada abaixo, e aproximou-se dela. Seguia-se-lhe um longo corredor cujo fim não era atingido pelo fogo da caveira. Voltou a suspirar e aventurou-se.
Após uma longa caminhada, deparou com uma nova entrada, que também tinha uma porta derrubada, e lançou uma das caveiras à frente. Esta flutuou até ao centro da nova sala, iluminando pelo seu caminho diversas manchas de sangue e ossos no chão, até parar. Não parecia haver nada de perigoso, pelo que o Imagawa avançou. Um roncar sonoro atrás de si sobressaltou-o, saltando para a sala por instinto e apontando as três caveiras demoníacas para o corredor que acabara de percorrer como proteção.
O silêncio voltara a abater-se, para seu desagrado...

CONTINUA...