A mão de Gaina ergueu-se a uma velocidade incrível para agarrar no tornozelo de Kimera antes que esta pudesse completar o seu pontapé, tendo ainda força suficiente no movimento para a suster no ar. A intercessão do ataque foi dolorosa, visivelmente mais para a Fukeru do que para a sua adversária, e deixou os espetadores em expetativa. Com um grunhido de desprezo e ainda sem intenções agressivas, Gaina limitou-se a abanar o braço e a atirar a humana para longe de si, que conseguiu equilibrar-se no ar e pousar sem grandes esforços.
- Não vim para lutar, cessa as hostilidades, Fukeru. Mas, admito que fiquei curiosa… Não sabes mesmo nada do teu pai? – Insistiu a Moremane, ignorando todos os outros presentes, até o próprio Katsu, que se encontrava indeciso em como proceder naquela situação.
- Foda-se! – A líder continuava a ficar cada vez mais irritada, deixando de se preocupar com o que os seus súbditos, aqueles que a deviam respeitar e obedecer, pudessem pensar ao vê-la naquele estado violento – Voltas a falar nele e juro-te que nada te salva da coça que te vou dar!
- Hmm, és muito mais agressiva e irracional que o comum dos Fukeru… Interessante… - Não se sabia dizer se a líder da Akatsuki prestava a mínima das atenções às ameaças da oponente pelas expressões despreocupadas que fazia. Chegou até a colocar a mão no queixo enquanto raciocinava nas suas palavras, como se não fosse nada com ela.
Num grunhido de frustração, Kimera saltou em frente, arregaçando ambas as mãos. O primeiro soco falhou, numa esquiva veloz e algo jocosa de Gaina, e o segundo rasou no seu pescoço. Ainda numa posição neutra, a Deusa apenas soltou uma rajada de ar pelas palmas das mãos para, mais uma vez, afastar de si a humana. Mas desta vez não seguiu com um comentário desnecessário, limitando-se a sorrir.
- O corpo da cabra está constantemente a mudar de informação. A cada segundo têm uma força, velocidade e resistência diferentes. O que caralho se está a passar aqui?! – O Kashikogan analisava de alto a baixo o físico de Gaina à procura de algo, qualquer coisa, que pudesse explorar. Mas era impossível. Pela primeira vez, a Fukeru via um corpo em constante mutação, como se fosse um processo natural. Não se lembrava se algo semelhante era possível ou, pelo menos, à velocidade em que agia – Não encontro pontos fracos, não consigo prever movimentos… Fantástico, tudo o que qualquer Fukeru adora!
A raiva de Kimera estava próxima de atingir níveis críticos, notando-se pelos rubores na sua face, e os seus olhos percorriam diversos objetos e pessoas no cenário à sua volta inúmeras vezes. Para seu desagrado, Katsu reconheceu aquele comportamento errático e nervoso da sua antiga amada. De todos ali presentes, Gaina era a única que se deliciava com o teatro que testemunhava. Só que não podia perder mais tempo nestas trivialidades, tinha outros assuntos que tratar. Já que Kimera era adepta em lutas de proximidade, aquilo terminaria rapidamente com um único toque.
Uma respiração profunda ouviu-se e distraiu-a das suas instropeções.
No tempo em que Gaina se distraíra nas suas introspeções, Kimera acalmara-se de um momento para o outro. Não mais avermelhada nem nervosa, o seu casual olhar frio era a expressão mais emocional que lançava à sua inimiga. A Deusa apenas sorriu, cada vez mais curiosa. E para sua surpresa, Kimera imitou o gesto.
A loira levou o polegar à boca e mordeu-o com força, gemendo de dor. Um pequeno rio de sangue escorreu pela abertura criada na carne, deslizando pela mão fora. E quando a primeira gota de sangue bateu no solo rochoso, um chakra avermelhado agressivo surgiu aos seus pés. Esse mesmo chakra começou a elevar-se, apoderando-se do seu corpo gradualmente como uma aura de energia. O processo parecia ser exaustante para o próprio corpo considerando que em toda a sua duração a Fukeru permaneceu com a respiração sustida. Quando o chakra finalmente a cobria por completo, pôde voltar a respirar, expirando uma nuvem de vapor pequena que lhe cobriu a cara. E quando este se dissipou, surgiram os olhos dela. Duas esmeraldas transformadas em rubis do mais encarnados que podiam haver, violentos, sedentos de sangue e, acima de tudo, extremamente perigosos.
- Kyouran… - Murmurou Gaina para si mesmo, ainda impassível após ver em antemão todo o processo de transformação.
Num rugido, Kimera desapareceu do cenário, ligeiramente mais rápida do que anteriormente, surgindo ao lado direito da Deusa com uma perna erguida. Gaina percebeu o movimento a tempo e preparou-se para bloqueá-lo, mas Kimera arregalou os olhos repentinamente e voltou a desaparecer sem completar o ataque. A Moremane estranhou o comportamento e continuou imóvel, em expetativa. A atacante voltou a surgir, desta vez pelas costas, e tentou a sua sorte numa cotovelada descendente e, por breves segundos, Gaina quase não conseguiu intercetar a ofensiva. Virou-se repentinamente e colocou o braço em frente para se resguardar, só que a pancada foi muito mais violenta do que estava à espera, fazendo-a recuar. Ainda suspensa no ar, Kimera sorriu e voltou a desaparecer com um rugido.
Nos momentos a seguir, Gaina olhou à sua volta, confusa. Como é que, naquele exato instante, foi incapaz de prever o ataque e seguidamente ficar mais suscetível ao seu dano? Não percebera nenhuma técnica que pudesse ter sido utilizada e os movimentos da sua adversária continuavam lentos na sua visão aprimorada pelo Jintai Soujuu. Então, o que…
Sem lhe dar tempo de perceber a sua estratégia, a Fukeru continuou com a pressão. Ressurgiu aos seus pés e tentou uma rasteirada, atingindo-a no tornozelo. Foi um poderoso impacto em que osso bateu em osso, tendo suas dolorosas repercussões em Kimera, no qual as pernas de Gaina não cederam minimamente. Todavia, a Moremane percebeu que a ofensiva não seria só isso quando viu a adversária a apoiar as mãos no chão para erguer as pernas em pino e usá-las para a pontapear na face. Inesperadamente, o pontapé conseguiu ainda ter mais força que a rasteirada ao ponto de a fazer recuar, novamente em uma única luta, e levar as mãos à boca ensanguentada. Kimera gargalhou e recuperou o equilíbrio, afastando-se com um salto à retaguarda. O chakra avermelhado à sua volta parecia ainda mais espesso e agressivo do que a última vez que o vira.
- Kyouran torna-te fisicamente mais forte consoante aplicas ou sofres dor. Isso explica como ficas mais forte a cada embate nosso, mas… O fortalecimento do Kyouran é demasiado lento para já ficares capaz de me magoar. O que mais estás a fazer? – Questionou a líder da Akatsuki, sem se preocupar com o hematoma que tinha no lábio. Há quanto tempo um humano não a magoara daquela forma? Há demasiado, certamente. Mas isso fazia-a sentir-se mais… viva? Impossível… Não por um humano qualquer…
A Kage limitou-se a rir e ajoelhou-se, dando claramente a entender que não ia revelar as suas estratégias. Desta levou o braço esquerdo à boca, o que não se encontrava coberto pela longa manga, e mordeu-o com vigor. Gemeu de agonia logo de seguida enquanto mais sangue era jorrado para cima do solo à medida que o chakra ao seu redor ganhava tamanho e espessura. Uma nova nuvem de vapor foi expelida com raiva, esta larga o suficiente para cobrir todo o corpo da Fukeru, e quando se dissipou ela já não lá estava.
Uma aura avermelhada ao alto denunciou a sua posição e, quando Gaina olhou para cima, esta descia em pique a velocidades vertiginosas. O embate no solo foi tão intenso que gerou uma cratera de profundidade considerável acompanhada por uma densa nuvem de pó que ofuscou os observantes da batalha acirrada. Quando amainou, Kimera estava com o punho ainda pousado no solo, sangrando ligeiramente devido ao contacto violento com as rochas. Desviou o olhar para a Moremane, uns metros afastada de si, ilesa, e soltou um bafo de vapor em conjunto com um grunhido de ansiedade. Viu uma pedra ao seu lado de tamanhos consideráveis, derivada dos destroços do ataque, e chutou-a de leve com perícia suficiente para a fazer erguer-se no ar e ficar suspensa, por breves segundos, à frente da sua cara. Foram segundos suficientes para que pudesse encher os pulmões de ar e o expelisse numa rajada potente capaz de disparar a pedra como um projétil de alta velocidade. Gaina foi apanhada de surpresa, embora tivesse conseguido destruir o ataque com alguma facilidade, e reconheceu que não havia sido gasto uma única porção de chakra naquilo.
- Incrível… O Kyouran já está tão forte a este ponto? – Perguntou mais a si própria do que à oponente, retornando, como era habitual, aos seus raciocínios isolados. Todavia, Kimera não estava com a mínima paciência, e o chakra avermelhado que a cobria apenas mais espesso se tornava – Como estás constantemente a ficar mais forte…? – Olhou para a mão da Fukeru e percebeu como esta estava ligeiramente deformada – Partiste a mão naquele soco ao solo? Compreensível, ao não teres usado chakra nenhum para te protegeres… Contudo, terá sido planeado? Ao partires a mão, a frequente dor apenas alimenta o Kyouran… Oh, sim, é isso! Deveras intrigante! É melhor começar a lutar um pouco, pelo que vejo…
E mesmo tendo dito isso, continuou a não se mover. Outro bafo de vapor e a Kage sentia que não se conseguia controlar mais. Fazia muito tempo desde que carregara tanto chakra Kyouran em conjunto e o corpo não estava mais acostumado ao significante incremento físico, além de urgir que o gastasse todo num único ataque devastador. Não conseguindo suprimir mais a raiva, desapareceu. No entanto, desta vez não se pôs com rodeios. Desapareceu em frente, num salto em velocidade, destemida, e a deixar um rasto vermelho de energia para trás. Ergueu a mão direita e, com um sorriso maníaco, esticou-a em frente, carregando consigo muita mais força do que tinha usado até então. E Gaina percebeu o perigo do movimento. Saltou a tempo, deixando para trás uma Fukeru a soquear o ar, e preparou-se para o contra-ataque. Seria a altura perfeita para tal, caso Kimera não tivesse dado meia-volta, virando-lhe o peito, e voltado a inspirar profundamente. A líder da Akatsuki esperou outra rajada de ar, sobressaltando-se no entanto quando foi puxada pela fortíssima inspiração. E embora os pulmões de Kimera não aguentassem muito mais ar, a pura força física foi suficiente para colocar Gaina rapidamente à sua frente e a mão que ainda estava repleta de chakra Kyouran conseguiu encontrar o seu destino.
O som do estalo que se sucedeu foi estrondoso, antecedendo um campo de forças encarnado que se originou a partir do contacto, destruindo praticamente todo o terreno à volta das duas contendentes. Mesmo os que estavam de fora e a uma distância segura puderam sentir o poder e calor emanado pela descarga de Kyouran. Quando cessou, deixou uma fina camada de poeira que não demorou a amainar, revelando o resultado do duelo. O público depressa suspirou e exclamou, comentando o resultado e soltando júbilos de satisfação. O Imagawa não quis acreditar no que via…
Kimera estava com a mão dentro da caixa torácica de Gaina, ou do que restava dela, rodeada de pedaços de carne e de ossos partidos ou praticamente desfeitos. A própria parte de cima do corpo já quase não existia, sobrando apenas alguns dos ossos em posições ortodoxas e possivelmente não mais humanas que deviam ser o único suporte à cabeça dela no momento. Já não haviam braços, nem carne ou órgãos, sobrando apenas… a cabeça? Intacta?
- Mas o que…! – Exclamou a Kage, completamente atabalhoada com a visão horrenda à sua frente. Afastou de imediato a mão, trazendo consigo alguns restos da mulher que tinha a certeza que acabara de matar – Foda-se, a cabra não morre?
- Entendo… - Falou Gaina, a sua voz sem estar minimamente afetada pelo facto de nem ter mais garganta… ou corpo! Todavia, os seus olhos pareciam manter aquele brilho de curiosidade característicos – Então foi assim que me derrotaste… Percebeste que eu estava constantemente a mudar o meu físico para enganar a leitura corporal do teu Kashikogan e distraíste-me, com aqueles ataques fúteis, para eu ter de me concentrar em ti ao ponto de deixar a mudança corporal entrar num padrão. E o Kashikogan é perfeito em perceber padrões… Desde então, aproveitaste dos momentos em que o meu corpo se encontrava no seu estado mais fraco dentro do padrão e atacaste com precisão e com uma cronometragem de movimentos perfeita. E eu mudava o meu corpo a cada segundo! Incrível, eu tenho de admitir! E foste a primeira humana, após tanto tempo, que me matou! Em teoria, convenhamos…
O público não conseguiu conter o alarme e horror que sentia ao assistir tal cena. Alguns já pegavam nas armas, dispostos a ajudarem a sua líder por muita que ela os obrigasse ao contrário. Apenas Katsu não fez nada… No fundo, ele percebeu que Kimera já podia estar perdida…
- E agora que finalmente me tocaste, querida Kimera… Pertences-me!