A luz lunar, branca, serena, calma, era inspiradora e reconfortante ao fitar o olhar verde, irrequieto e pensativo de Kimera. Suspiros e ligeiras fungadelas eram as únicas ousadias no meio de tanto silêncio. Um cotovelo a raspar na madeira, a face a raspar no braço até o seu queixo atingir o limite da mesa. Outro suspiro acompanhado por um bocejo. Os olhos cerram-se a pedir descanso, mas a vontade obrigou-os a erguerem-se para olharem a lua uma vez mais.
-Idiota! Tinhas de ir-te embora quando mais preciso de ti, idiota! – Remoía-se a bela jovem batendo propositadamente com a testa na mesa – Idiota!
Um bater na porta ecoa pela sala despertando Kimera com um leve sobressalto, que era em vão disfarçado por um andar majestoso até à porta, ao mesmo tempo que ajeitava o cabelo e cara tentando esconder uma cara sonolenta.
-Que foi agora? – Perguntou a rapariga secamente ao ver um jovem, provavelmente de catorze anos, que nem lhe chegava ao peito, cheio de papelada nas mãos a tremer por todo o lado – Ah… Mais papelada. Entra!
Confiante, a líder vira-lhe as costas voltando a sentar-se na cadeira onde outrora “meditava”. O adolescente, que tremia bastante pelo receio à famosa figura à sua frente, cambaleou até estar a uma espada de distância da sua líder. Tentou falar, mas gaguejou bastante e arrependeu-se de ter aberto a boca, Kimera suspira pousando a sua cabeça num punho fechado enquanto os seus olhos traçavam todo o corpo do adolescente.
Para ser-se sincera, na realidade o garoto assemelhava-se bastante a uma rapariga. Por detrás da máscara verde inexpressiva encontrava-se uma enorme selva de cabelos que lhe davam até ao peito, todos eles encaracolados e algo sujos. O corpo era franzino, baixo… Ainda em desenvolvimento na sua idade, algo que não atraía a Fukeru. O resto das roupas consistia nas típicas fardas dos Escorpiões, o mais simples e confortáveis possíveis ao ajustarem-se bem aos elásticos movimentos obrigatórios no estilo de Taijutsu criado por Kimera, e ao qual esta nunca dera um nome.
Parou de olhar para o magricelas, concentrando-se mais na papelada à sua frente. Voltou a suspirar e encostou-se às costas da cadeira cruzando as pernas e acendendo um cigarro colocando-o de imediato na boca.
-Desembucha logo rapariga! – Irritou-se inalando um pouco de fumo sem retirar os olhos avassaladores de cima do pobre rapaz que não parava de tremer.
-E-eu… Eu… n-nã… - Voltou a interromper-se fitando, por fim, o olhar da sua líder, que desajeitadamente tentara evitar ao desviar o seu para outro lado qualquer. Inspirou por um bocado, sentia-se que algo vinha pois, graças ao seu Kahikogan, notava-se que as suas pupilas dilatavam bastante e como os lábios tremiam ligeiramente, sinais de nervosismo, mas puro nervosismo. Do que dava algum prazer à Kimera – Eu não sou uma rapariga!
-Oh… Então a rapariga até que têm alguns tomates! Mostra-mos! – Pediu a Fukeru inexpressiva pousando a mão livre sobre o joelho não parando para fumar mais um pouco enquanto avaliava os comportamentos do subordinado com a sua Kekkei Genkai.
-A-… O… Quê? – O rapaz parou de tremelicar após o pedido da sua superior. Confuso e nervoso, deu um passo à retaguarda sem saber o que haveria de fazer a seguir. Um passo em falso e poderia desencadear mau-humor nela, um antecedente de dentes partidos ou uma viagem pela janela fora… E ele ainda era tão novo…

-Então tira as calças e prova-mo! - Ordenou a loira colocando o cotovelo em cima da mesa de madeira encarando o jovem à sua frente com seriedade mas um olhar maroto - Vá, não és um homem?
O rapaz tentou dizer algo mas a boca tremeu-lhe, os dentes tilintaram e nenhum ruído audaz saiu dali. As mãos cobriram involuntariamente o fecho das suas calças enquanto os seus olhos tentavam escapar ao atraente sorriso divertido da adolescente, que era ocasionalmente coberto por um manto de fumo.
-KIMERA-SAMA, DEIXA O RAPAZ EM PAZ! – Gritou uma nova adolescente que entrava pela porta adentro sem pedir autorização ou anunciar-se conseguindo “libertar” o rapaz de tal forma que este conseguiu evacuar a sala o mais rapidamente possível – Nem acredito que tu ias violá-lo sem mais nem menos!
-Ishida, olha o teu nariz… - Retorquiu Kimera elevando ligeiramente o dedo apontando para um pequeno fio de sangue que escapava do nariz dela – Nem acredito que ficaste excitada com tão pouco…
A adolescente deu uma leve risada nervosa e virou costas à sua amiga retirando um pequeno lenço os bolsos e limpando o fio de sangue do seu nariz. Depois voltou a virar-se para a loira com um sorriso muito mais bonito, e sem encenação. Kimera olhava-a com um sorriso pousando o cigarro em cima da mesa descontraidamente.
Ishida Fukeru, irmã de Kimera, adotada por Tadao Fukeru para substituir Kimera na sucessão ao trono mal esta se tornara na “Rosa Rebelde”. O seu cabelo, castanho, é habitualmente preso num coque amarrado por um pequeno laço azul. A sua cara é oval notando-se um perfeito cuidado na maquilhagem facial combinando perfeitamente com os olhos cor-de-mel e as pequenas flores que eram amarradas aos cabelos nos flancos da cara. Um quimono verde-relva, com padrões florais que variam dentre os tons rosas e púrpuras, amarrado fortemente por uma cintura beje, consistia essencialmente nas suas vestes.
-Onee-chan! Há quanto tempo! - Cumprimentou Kimera seguindo-se um abraço carinhoso entre ambas as raparigas que se apertavam mutuamente – Tive tantas saudades tuas, e tenho tanto para te contar.
-Kimera-sama, amanhã poderemos falar sobre tudo isso! Mataremos todas as saudades que tivermos de matar, mas agora temos mais em que pensar… - Explicou Ishida afastando-se dos braços da sua irmã e fitando-a serenamente.
Mesmo que Ishida não passe de um meio de substituir o vazio deixado na hierarquia, devido à rebeldia por parte de Kimera, e que seja adotada, ambas dão-se bastante bem, considerando-se até melhores amigas. Começaram a trocar cartas entre si quando Kimera partiu de Kusagakure para investigar os Imagawa, mantendo-a informada dos planos de Tadao e de como a sua vila natal mudava radicalmente. Contudo, a líder dos Escorpiões permaneceu incontactável por demasiado tempo deixando Ishida preocupada e, acima de tudo, sem saber como parar Tadao e todas a sua insanidade.
-A guerra contra os Imagawa não estava planejada para esta altura, devia de ser daqui a dois meses de acordo com o teu plano! – Retorquiu a Fukeru mais nova, Ishida, afastando-se da sua irmã e sentando-se sobre o parapeito da janela que iluminava o quarto com o luar.
-É verdade, alguma coisa fez o Tadao antecipar os seus preparativos. Os Fukeru ainda não estão prontos para derrotar os Imagawa, mas mesmo assim eles querem confronta-los. Posso ser a boazona mais inteligente que conheceste, mas não consigo calcular a idiotice dos outros. – Retorquiu a loira voltando a sentar-se na cadeira pegando no cigarro, que por pouco não se apagava, aproveitando o seu fim – Vamos ter de apressar os planos.
-E quando pensas sabotar a Torre? – Perguntou Ishida de imediato abrindo a janela para que o fumo saísse no meio de alguma tosse contida.
-Hoje à noite… - Suspirou a loira acabando por fim o seu cigarro jogando de seguida a beata fora. Voltou a suspirar ao encostar-se ao máximo na cadeira alongando os braços e pernas – Há algum tempo que não fazia disto. Mas bem que com o fofito seria mais divertido!
-Com quem?
-Nada. Vamos maninha, preciso de ti! – Pediu Kimera levantando-se e levando a sua irmã pela mão.
O tempo escasseava e ambas as raparigas mudavam-se de um quarto para o outro. Antes de entrarem, a Fukeru mais velha ainda deu uma espreitadela para fora trocando algumas palavras com um dos Escorpiões do corredor, que imediatamente se apressava a cumprir as ordens. O novo quarto tinha a mesma aparência que todo o resto do edifício, rústico, totalmente talhado em madeira e bastante simples, mas o que se destacava eram dois fatos pretos pendurados num gancho que se encontrava preso ao teto. A Fukeru de cabelos castanhos sorriu ligeiramente e ambas apressaram-se a vestir-se.
Dentro do edifício a calmaria passou rapidamente para um caos, contudo bastante organizado. Kimera esteve este tempo todo à espera da sua irmã para poder seguir com o primeiro plano do destrono ao seu pai. Todos os Escorpiões Verdes começavam a andar de um lado para o outro trocando ordens e conselhos entre si. Alguns reuniam o material necessário enquanto outros equipavam-se tal como ambas as irmãs. Passos pesados ecoavam por todo o local e, num ápice, no porão do edifício encontrava-se três filas, composta cada uma por cinco homens, de vez em quando uma mulher no meio, de pés e joelhos juntos e com os braços hirtos à espera da sua superior.
Com todos os preparativos prontos, a calmaria desejava voltar a reinar no local e estava a ter sucesso lentamente. Entretanto, fora facilmente derrotada com leves passos a encaminharem-se para a sala e algumas risadas femininas. Os homens ansiosos começavam a bisbilhotar entre si, até que eram interrompidos pela abertura da porta. Os corações palpitavam e o suor na cara deles encrustava, até que, por fim, Kimera e Ishida surgiam, belas e perfeitamente sedutoras com as roupas justas dos uniformes dos Escorpiões. Todos os homens começaram a aplaudir, principalmente ao verem a sua líder metida naquela fatiota, que a única coisa que fazia era melhorar ainda mais o seu corpo.
-Ahah, suas sanguessugas, vou deixar-vos contemplarem-me por mais um bocado só por esses sorriso pervertidos! – Gargalhou a Fukeru começando a fazer posições ousadas, só para sacar hemorragias nasais dos homens e mais aplausos, assobios e piropos.
-Peito: Tamanho…C! – Avaliou Ishida tapando um fio de sangue a sair do seu nariz com o seu leque floral.
Kimera continuava nas suas poses sensuais deixando os seus homens c ada vez mais loucos e excitados. Ishida abanava com o seu leque proporcionando uma brisa gélida para a sua face tão quente. A líder dos Escorpiões soltou mais uma gargalhada, até que por fim parou com todas as poses e encarou os seus homens com um alto sorriso.
-Já sabem do plano, é simples para alguém como vocês. Estão excitados homens? – Perguntou colocando um punho fechado sobre a cintura e um sorriso confiante na direção dos seus subordinados.
-HAI! – Gritaram os Escorpiões em uníssono.
-Desejam o meu corpo?
-HAI!
-Querem mais disto?
-HHAAAAAAAAIIIIIIIII!!!
-Então completem o plano desta noite sem sermos descobertos e pode ser, repito, pode ser que vos pise a cara. EM FRENTE HOMENS! – Gritou a loira erguendo um punho cerrado bem no alto que era acompanhado por todos os punhos dos seus homens num ensurdecedor “HAI!”.
Todos os homens colocaram as suas máscaras verdes, mesmo Kimera e Ishida, e avançaram desordeiramente pela porta fora visando cumprir o plano imposto pela líder deles. O objetivo era simples: capturar a principal fonte de comunicação interna de Kusagakure em momentos de crise: a torre de rádio que se situava na extremidade a sul da vila, pouco protegida à noite, mesmo com o conhecimento de que Kimera estava pela vila.
A loira movimentou-se pela escuridão, refugiando-se por detrás de umas árvores quando via o feixe de luz a passar no local onde esteve outrora. Desmascarava a sua cara de ligeiro para que mostrar a sua boca, olhando para os Escorpiões Verdes em cima de uns ramos das árvores à espera de ordens e depois olhou para Ishida ao seu lado. A torre encontrava-se bem à frente deles com, contados, minuciosamente, cinco guardas, mesmo à espera de ser tomada. Kimera olhou para os ramos onde se situavam os Escorpiões e deu indicações com as mãos movendo os seus lábios, sem proferir um único ruído, numa linguagem labial. Graças ao Kashikogan, e aproveitando-se da pouca luz que tinham, os Escorpiões acataram a ordem facilmente e moveram-se para as respetivas localizações.
-Porque é que o Tadao colocou tão pouca gente, mesmo sabendo que andavas por cá? – Murmurou Ishida quase no ouvido de Kimera, que voltava a colocar a sua máscara.
-Já disse, não consigo medir a burrice do Tadao. Ele pensa que eu simplesmente não vou mover pois as minhas forças ainda estão muito fracas, e é por isso que ele não nos liga nenhuma. Está a ser imprudente e nós vamos aproveitarmo-nos disso. Quando ele menos esperar, vai descobrir que a perda desta torre foi o seu fracasso…

CONTINUA