Situada entre duas belas montanhas, a pequena cabana só embelezava o lindo cenário bucólico. Protegida entre densa floresta e os paredões de pedra, a cabana ficava à beira do lago, onde algumas fontes termais criavam uma leve cortina de vapor d´água que envolvia todo ambiente gelado com uma camada de calor amoroso. O sol já havia se escondido por trás das muralhas rochosas quando Kimura se aproximou do local. -
Esse é o local. - Sussurrou enquanto guardava o mapa e procurava abrigo entre as folhagens da trilha que o levara até lá. De onde estava, dava apenas para ver uma fina coluna de fumaça que vertia por uma chaminé em seu telhado, indicando que alguém cozinhava naquele local. Contudo, com uma observação mais atenta, o jovem podia ver uma silhueta que se banhava recostada na margem das termas com movimentos suaves.
Seu coração bateu mais forte do que nunca, quando percebeu que talvez aquela pessoa fosse quem ele procurava, mas controlou sua ansiedade a ponto de observar o local à procura de outras pessoas que talvez guardassem o local. -
Não há mais ninguém. - Cochichou para si mesmo, já decidido a se aproximar. Foi quando a bela mulher se levantou com tranquilidade das águas mornas. Completamente nua, sua pele morena e curvas delgadas pareciam em sintonia com toda a bela paisagem, tendo seus cabelos desenhados pelas gotículas de água que escorriam até o seu corpo. Caminhando calmamente até uma pedra encostada na lateral, a mulher vestiu-se com um roupão branco e se dirigiu à cabana, donde já se podia ouvir o chiado do bule ao avisar que o chá estava pronto.
Milhões de suposições vieram a sua cabeça, enquanto ele observava a mulher sumir após alguns degraus e entrar no primeiro cômodo num rangido de porta. Já estava na estrada a um bom tempo, e durante esse período, pensou por repetidas vezes tentando montar o quebra-cabeça que era sua irmã. Saiako era a mais misteriosa da família. Também a mais rebelde, diziam seus pais. Entretanto, poucos meses antes de sua morte, ela havia mudado. Parecia que algo de bom havia acontecido em sua vida. -
E talvez esta mulher tenha algo haver com isso. - Pensou ao se levantar e se dirigir até a cabana. Para não assustar quem quer que o estranho fosse, Kimura caminhava ruidosamente pela trilha, passando por entre os arbustos até chegar a um estreito caminho de pedra batida que levava à sacada da cabana.
Seu coração mal se aguentava no peito quando ele subiu os três degraus que separavam o assoalho do chão frio, e logo, um cheiro suave de perfume invadiu seus sentidos, misturados com o chá que estava posto à mesa. A porta estava entreaberta. Parecia que esta pessoa não recebia muitas visitas por aqui. -
Olá? Alguém em casa? - Perguntou mais por educação que por receio. Mas o silêncio fora sua resposta. Nenhum sinal da mulher que acabara de entrar. A porta rangeu quando Kimura a empurrou vagarosamente e observou o interior simples do lugar. Um fogareiro aceso no centro do assoalho, enquanto um bule acompanhado de uma pequena xícara de porcelana que descansava numa mesa rasa, onde se podia ver apenas um par de chinelos macios à beirada do tapete.
Curioso em saber para onde a mulher havia ido, o garoto não se conteve em aguardar e retirou as sandálias com rapidez, para então adentrar no cômodo com vagarosas passadas. -
Olá? Alguém aí? - Perguntou mais uma vez. Mas quando menos esperava, o jovem foi surpreendido por um ninja mascarado que se escondia num espaço entre as vigas e o telhado, precipitando-se sobre ele. Surpreso, Kimura rolou e saltou por cima da mesa em tempo de escapar por pouco do primeiro golpe, mas logo era perseguido pelo ninja que girava sua lâmina com destreza em sua direção. Os espaços estavam acabando, até que Kimura fora encurralado na parede oposta, entre o ninja e a parede. Sem alternativas, o jovem saltou através da janela até então fechada num grande estalo, caindo nas águas quentes das termas, que com a ajuda da escuridão da noite, perdeu o ninja agressor de vista.
Prendendo a respiração, ele nadou por alguns segundos o mais vagarosamente possível para longe da cabana, acompanhando o fluxo das águas, ele se esforçou para não tossir ao se arrastar até a margem das termas. Procurando a proteção da escuridão, ele se esgueirou furtivamente enquanto saía pelos arbustos que circundavam o local. Deixando escorrer o excesso de água em seu uniforme, Kimura rapidamente buscou o mapa na mochila para então forçar a vista contra a fraca luz da lua e assim ver onde ela tinha errado. Contudo, quando levantou a cabeça para procurar por pontos de referência que o ajudariam na localização, o brilho silencioso de uma lâmina se recostou em seu pescoço ao mesmo tempo em que uma voz de mulher o inquiriu com uma fúria inimaginável:
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O que você quer aqui?! - Gritou a mulher, deixando sua máscara cair.
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Eu sou... Sou Kimura! Junchei?! - Desesperou-se ao ver a morte iminente.
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Kimura... Endo? - Perguntou a mulher ao se afastar, esforçando-se para prender o choro que transbordava de seus olhos quando ouviu a resposta. Vendo que a mulher se afastara, Kimura rolou lateralmente e assim que se voltou para a ninja, a viu de joelhos à frente da margem do lado. -
Você é Junchei? - Perguntou o jovem. Mas a mulher não o respondeu, apenas soluçou e chorou alto pela desgraça que havia lhe chegado à porta. A vinda de Kimura Endo só significava uma coisa: -
Saiako estava morta. Desesperada, a ninja sequer olhou para o garoto que a perguntava insistentemente sobre tudo aquilo. Mas Junchei não podia ouvi-lo, pois em desespero, ela apenas cantarolava a música que ela e sua amada cantavam uma para outra quando estavam próximas de chegar a casa.
"
E pelas águas escuras encontrarei meu caminho. Pois sua luz me guiará para fora desse sofrimento. E logo estarei em casa". - Ela cantava. Levantando a lâmina contra a luz do luar, Junchei a dirigiu decididamente para sua barriga, tentando cortá-la. Rapidamente Kimura agarrou o braço da mulher antes que ela cometesse suicídio. Olhando em seus olhos, mesmo na penumbra, ele pôde ver a dor de se perder um ente querido. Um amor eterno. Uma saudade eterna. Kimura não se conteve e chorou, apertando-lhe o pulso, ele jogou a lâmina para longe e se ajoelhou, abraçando-a com força. A dor da perda é desesperadora e agora, pareciam que os dois tinham algo em comum...
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Seu pai a matou... - Sussurrou Junchei, entre seus soluços.
Continua...