Caminhando pela trilha estreita escavada no paredão de rocha esverdeada pelo musgo, três vultos cobertos por pesados mantos cerimoniais caminhavam sob a primeira aparição da lua cheia que se ascendia no horizonte, à medida que o sol se punha no oeste, com seus raios avermelhados refletiam atingiam a lua através da atmosfera, manchando a paisagem em tons suaves que contrastavam com a densa floresta que se seguia após a cachoeira. Ziguezagueando para desviar-se das rochas que atrapalhavam o caminho, os três continuavam na direção da ponte que cruzava à beira da queda d´água, mas logo mudaram a direção por um pequeno caminho aberto recentemente no início da subida, adentrando por uma pequena abertura donde a escuridão não lhes permitia enxergar. Fazendo alguns selos com as mãos, o primeiro da procissão levantou a mão e nesta criou-se uma pequena fagulha que logo aumentou de tamanha o suficiente para clarear o restante do caminho que desembocava numa passagem que os levou até uma caverna por trás da cachoeira. Apesar do ruído ensurdecedor da água, os ecos das respirações ofegantes se tornavam evidentes enquanto se aprofundavam ainda mais na caverna escura.

- Ótimo, acendam as tochas. - Comandou uma voz masculina, dirigindo-se à um dos grandes castiçais. Sumindo na escuridão, os outros dois vultos agitaram suas pederneiras e logo todas as velas que circundavam o salão estavam acesas, deixando à mostra o cômodo que fora criado pela erosão de milhares de anos. Esta grande galeria era cercada por três paredes lisas e côncavas, além de uma grande abertura de onde se podia ver e sentir a queda d´água que passava na lateral. Olhando em volta, viam-se dez castiçais que iluminavam a grande pedra em forma de mesa, onde um pergaminho gigante descansava preso a algumas correntes negras que lhe serviam de aparo para que este não rolasse para o chão esculpido com grandes obsidias negras. Nas paredes do local, milhares de linhas escritas numa linguagem que somente aqueles que estavam ali presentes conseguiriam decifrar. Enquanto em seu teto, uma pintura de uma serpente vermelha gigantesca que fora desenhada no teto. Com suas curvas em espiral, o desenho terminava na cabeça da serpente com a boca aberta e suas presas em direção ao sol, como se ela pudesse engoli-lo de uma só vez. - Todos nas suas posições. - Comandava o homem mais uma vez.

Então os três ocuparam os círculos de runas desenhadas no chão e retiraram seus capuzes. Himura, Sirene e Mimura se ajoelharam de frente ao pergaminho e se inclinaram profundamente em sinal de grande reverência. Permanecendo nesta posição por alguns momentos em sussurros de oração, o patriarca do clã Hebi se levantou e vagarosamente se aproximou do pergaminho, tocando na borda de sua abertura e o puxando num forte debater de mãos. O pergaminho brilhou, juntamente de todas as escrituras e runas que cercavam a câmara ritualística até que o homem foi desenrolando todo o objeto. O pergaminho girava e rangia enquanto as correntes eram contraídas para fazer o rolo deslizar até que estivesse totalmente estendido no chão, mostrando um grande selo com dezesseis pontas e vários kanjis formando desenho triangular nas bordas do hieróglifo principal. - Estamos prontos. As estrelas estão em posição. Agora esperemos o convidado. - Sussurrou para os outros dois que ainda se curvavam repetidamente de fronte às escrituras no chão. Himura sentiu um cheiro conhecido e se virou para receber o convidado que tateava o caminho pelos túneis que serpenteavam até chegar à câmara principal, quando o velho desdentado surgiu com um grande saco nos ombros.

- Pronto, aqui está ela. - Disse o velho, com um sorriso malicioso no rosto.
- Ótimo. Coloque-a ali. - Apontou Himura em direção à mesa de pedra.

O velho cambaleou com o pesado saco até a lateral da pedra e o despejou cuidadosamente em cima da última parte do pergaminho em que um círculo vazio recebia o saco que parecia se encaixar precisamente com o desenho. Ao sentir que havia sido posto em algum lugar, algo dentro do saco se remexeu e gemeu numa linguagem confusa. A voz da garota tentava perguntar onde ela estava até receber um forte golpe do velho que levantara o braço para atingi-la novamente, mas foi interrompido por Himura. - Pare. Ela voltou a dormir. - Completou. O velho então caminhou para fora do círculo do ritual sem dar as costas ao pergaminho, saindo pelos mesmos caminhos tortuosos que o trouxeram até sair da caverna e ser banhado pela luz da lua que agora estava alta no céu, com sua cor estranhamente avermelhada. Chino sabia que a grande noite seria aquela. Momento em que culminava o renascimento do clã Hebi. O mesmo clã que o acolhera há algumas décadas enquanto ainda era jovem. O velho se lembrou dos inúmeros treinos que realizava com o garoto Kimura e ficava orgulhoso de como ele se tornara forte. - Agora serás mais forte ainda. - Comemorou baixinho na escuridão, tomando saquê na cabaça que trazia.

- Você já deveria ter se aposentado. - Comentou o sujeito de capuz que acabara de surgir em cima de um galho próximo. Assustado, Chino cuspiu o saquê de sua boca e olhou preocupado para o possível invasor, quando se tranquilizou e reconheceu o membro da Karasuemu. De porte musculoso, contudo, rápido e silencioso, o homem era o braço direito daquele que criara Kimura à um bom preço. Olhando a sua volta, ele percebeu dezenas de vultos encapuzados que acabaram por cercá-lo, aguardando imóveis na escuridão. - Quem são seus amigos? - Perguntou Chino, tentando esconder seu nervosismo que se instalara quando percebeu a presença dos outros. Na verdade, ele nunca havia confiado nestes nukenins. Muito menos entendera o motivo pelo qual Himura os havia poupado em sua época de ANBU quando teve a chance de se livrar deles com um golpe ou dois de sua lâmina. Em vez disso, utilizou-os como ferramentas para construir uma verdadeira máquina de matar. Sem responder à pergunta, o homem observava os movimentos do velho com certa frieza quando se levantou e se esticou para relaxar os membros contraídos de ansiedade. Vislumbrando a grande lua avermelhada, ele percebia uma sombra se aproximando do corpo celeste.

"Um eclipse lunar." - Pensou ao receber a informação que queria através de seus olhos. - O garoto se aproxima pelo leste. Irei escoltá-lo até a cerimônia. - Falou e logo sumiu num shunshin, acompanhado pelas dezenas de vultos que remexeram toda mata ao seu redor. O velho então deu de ombros e voltou a repousar sob um arbusto para aguardar a chegada de Kimura. "Até que vou sentir saudade do garoto." - Pensava consigo ao tomar mais um gole de sua bebida. O horário do alinhamento estelar se aproximava e a promessa de imortalidade que fora oferecida por Himura lhe deixava ansioso em saber como isso tudo aconteceria. "Vou correr o mundo e conseguirei tudo que me faltou." - Ele imaginava enquanto ouvia um grito ao longe. Era um grito grave, gutural e furioso. Tanto que as aves deixaram seus ninhos e fizeram companhia aos morcegos que voavam para se alimentar. Chino se levantou assustado e começou a procurar um terreno mais elevado para saber de onde vinha tamanho sofrimento e ódio. Rapidamente convergiu seu chakra para os pés e escalou uma árvore que aprofundava suas raízes no paredão da cachoeira. Estaria prestes a cair se a pedra não fosse tão resistente, mas a árvore lhe fornecia um bom apoio para olhar o horizonte.

Parece que o famoso ritual do clã Hebi está bem próximo de acontecer. Como será que o jovem Kimura irá agir perante essa investida de Himura? Até o velhote está envolvido nisso, pensei que ele só fosse arrogante, mas pelo visto é ainda pior do que aparentava ser. Fiquei curioso em saber quem é a garota no saco, será que deixei passar algo?

Continua com a historia Irmão