O entranho saltava de árvore em árvore acompanhado por uma dezena de marionetes cobertas por pesados ponchos. Olhando através das densas folhagens, ele pensava no ritual que se seguiria assim que capturasse o jovem para levá-lo ao altar que o esperava. "Não vai demorar muito." - Ele se lembrava das palavras de Himura quando percebeu uma movimentação à sua frente. Seu coração tranquilo se encheu de ânimo ao perceber que Kimura corria despreocupadamente na direção da cachoeira. "O garoto facilitou minha vida." - Comemorou o homem, fazendo um sinal com a mão esquerda para que ele e sua equipe de bonecos parassem e se escondessem nas folhagens para emboscar o menino. Silenciosamente, o grupo se espalhou pela região e aguardou a passagem do alvo que parecia não ter notado sua presença, caindo exatamente no centro da emboscada.
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Você é bastante pontual. - Brincou o homem, saindo da cobertura. Nesse momento Kimura parou e olhou para o alto na direção da voz quando notou que estava totalmente cercado pelos outros. Levando à mão até a mochila que trazia às costas, o garoto sacou uma katana e se aprontou para o combate, quando o estranho deu de ombros e fez um rápido selo. Nada aconteceu. Mais uma vez o nukenin repetiu o selo com suas mãos e aguardou Kimura se contorcer de dor pelo selo que a organização havia posto em seus preciosos olhos. E como antes, nada aconteceu. Então, sem dizer uma palavra, Kimura saltou sobre o homem com a katana em punho, sorrindo e sedento por sangue. Surpreso, o sujeito recuou num salto curto e comandou que as marionetes atacassem. Os bonecos caíram sobre Kimura num só movimento, mas foram rechaçados com um balançar de cauda de uma serpente azulada com dez metros de comprimento que surgira no lugar do Hebi, urrando com todo o seu poder.
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Nani?! - Perguntou o estranho, quando percebeu que fora enganado.
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Na cachoeira...
O verdadeiro Kimura se esgueirava na forma de uma serpente negra pela estreita passagem que terminava na entrada da caverna onde seus familiares se encontravam. Apesar de surpreso com todas as informações que recebera na última semana, seu coração parecia tranquilo. Talvez porque a rápida viagem de volta o fez refletir sobre tudo aquilo. Principalmente o fato de ser sacrificado para receber Hokkai em seu corpo. "Eu sou uma pessoa! Não uma ferramenta!" - Confrontava-se em busca de forças para continuar a rastejar até seu destino. Ao longe, ele conseguiu ouvir o brutal urro de sua companheira que o acompanhara nestes anos e lhe desejava sucesso em pelo menos atrasar os homens que selaram seus olhos para que consiga lutar, caso necessário. Esses pensamentos, misturados pela ânsia do momento, criavam certo enjoo em seu estômago. Porém, quando já estava próximo da entrada, um cheiro conhecido de saquê chamou sua atenção a uma cabaça encostada à beira da trilha. "Mestre Chino?" - Pensou ao procurar o velho. Foi quando ouviu um farfalhar na copa da árvore mais próxima. Lá estava ele. Seu antigo mestre cambaleava para obter equilíbrio no galho mais alto, observando a luta ao longe.
Sua cabeça começou a doer novamente. E como uma represa que acabara de se romper, ele começou a se lembrar da noite em que tentou seguir seu pai, mas fora capturado pelos mesmos estranhos que declaravam que o tinham criado. Lembrou-se de ouvir a voz de seu pai a dizer que era descartável. Lembrou-se de ouvir seu antigo mestre comentando o como ele havia ficado forte. Kimura estranhamente viu imagens nos olhos do outro homem recebendo um grande saco de moedas de ouro de seu pai, além de seu rosto velho refletido no tubo cheio de substância azulada, com um feto descansando dentro dele. "Não pode ser!" - Ele lutava para deter as imagens de tudo aquilo que lhe acontecera. Parecia que toda memória guardada em seus olhos agora vieram à tona. Kimura tremeu e suportou a dor. Recompondo-se, ele terminou o trajeto sem olhar para seu mestre, adentrando na caverna onde ouviu sussurros de orações na linguagem antiga que seus ancestrais conversavam. Sentiu um calor e uma energia de proporções inimagináveis eclodindo para fora da caverna, até que se deparou com a catedral soturna dos Hebi, onde um pergaminho gigante estava estendido no chão, de onde brotavam um chakra avermelhado das bordas do selo desenhado no seu interior.
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Ele está aqui. - Sussurrou o holograma do velho.
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Kimura! Que bom que chegou! - Gritou seu pai com alegria.
"Merda!" - Pensou o jovem ao perceber que seu plano de ficar a sós com sua família dera errado. Nesse momento, Sirene e Mimura olharam para ele com olhos de serpente. Seu pai não podia esconder a felicidade de enfim libertar seu mestre. Para ele, depois desse dia, o clã se tornaria o mais forte dentre os outros já existentes. Agora, só faltava completar o ritual para que o deus cobra revivesse no corpo de seu filho. Mas o que ele não contava era que Kimura não estava disposto a cooperar. -
NÃO PARTICIPAREI DISSO, ASSASSINOS! - Esbravejou ao desfazer o henge e iniciar uma corrida na direção de seu pai com uma lâmina em punho. O holograma do velho tomou a iniciativa e fez os selos rapidamente. Seus olhos novamente arderam de uma forma jamais imaginada e com um grito de desespero o jovem caiu sob o pergaminho e deslizou por centímetros até se aproximar da encosta, onde a cachoeira respingava em seu corpo. Com um olhar inquisitivo, Himura comandou que o velho interrompesse o jutsu, para conversar com ele.
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Não seja precipitado. Você fará parte da história. - Argumentou.
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JÁ DISSE QUE NÃO! SOU UMA PESSOA! TENHO DIREITO À MINHA VIDA! - Chorou o garoto, tentando se apegar à vida que tinha. Ele se lembrava da sua irmã. Da sua amada Katsume e de Junchei. Lembrava com carinho de seu mestre. Lembrava-se de suas missões e amigos que conquistara em outras Vilas. Porém, ainda com a visão embaçada pelo selo, conseguiu ouvir murmúrios conhecidos de alguém que se debatia num saco em cima do altar. "Katsume!" - Suplicava para que não fosse ela naquele saco. Nesse momento, seu pai mordiscou o polegar e atingiu a última ponta do selo desenhando no pergaminho. Um estrondo fez vibrar as paredes de rocha polida ao mesmo tempo em que todas as escrituras brilharam numa cor avermelhada. O chakra viscoso e avermelhado que escorria para fora do selo agora subia ao teto, cobrindo todo o desenho da serpente gigantesca, tomando forma com seus olhos brilhantes. -
Hokkai vive! - Disseram os três Hebi ao olhar admirados para o chakra gigantesco que serpenteava no desenho no teto, gotejando sua viscosidade sobre eles. Kimura sabia que precisava impedir aquilo. Sabia que tinha pouco tempo de vida. Sabia que tinha que salvar sua amada. Dessa forma, ainda com a visão prejudicada, ele se apoiou na lateral da parede e se levantou.
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KATSUME! - Gritou, tentando sobrepujar o grande ruído da cascata.
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E como estava escrito, ele renascerá pelo ódio! - Gritou Himura, ao atravessar sua espada no saco que se debatia.
O sangue vermelho espirrou e um grito feminino foi esmorecendo até cessar. Kimura já não conseguia responder pelas suas ações! Ele não conseguia falar. Tremia com tristeza e dor. Caiu novamente de joelhos esticando as mãos para a mão suave que deslizava para fora do saco. -
Meu amor... - Balbuciou com grande remorso, enquanto seus familiares gargalhavam de sua fraqueza. Nesse momento, sua tristeza se transformara em ódio. Puro ódio. Nunca sentira tamanha fúria em seu coração. "MATAREI A TODOS!" - Dizia furiosamente quando se levantou para atacar o grupo. Mas logo foi interrompido pelo jutsu de selamento em seus olhos que arderam novamente. -
Argh! - Ele urrava de dor e fúria. Não havia o que fazer. Levando sua mão aos olhos, com as unhas pontiagudas que cultivara durante a viagem, ele atingiu seus próprios olhos com toda força que tinha. O sangue esverdeado espirrou para a surpresa de todos. Kimura não sentiu dor, pois o selo acabara de ser destruído junto com seus olhos. Ele só conseguia sentir o cheiro dos inimigos que pararam de gargalhar quando o grande chakra começou a descer suavemente até começar a tentar invadir sua boca.
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SEGURE-O CHINO! - Comandou Himura, ao ver que seu filho resistia à força de Hokkai.
O velho tinha seu rosto tenso e amedrontado. Ele via seu antigo discípulo se debater enquanto uma energia descomunal tentava adentrar seu corpo por sua boca. "Tenho que obedecer!" - Pensou enquanto cambaleava até o garoto para aplicar-lhe um a conhecida técnica de imobilização. Agora Kimura apenas podia gritar. Sua fúria estava descontrolada e agora Hokkai começava a deslizar por sua garganta lhe causando repetidos soluços desesperados. Não havia saída. Novamente se lembrou de sua amada. Lembrou-se do carinho que tinham um pelo outro. Lembrou-se da tortura que era manter-se longe dela para não envenená-la. Lembrou-se da agonia de Junchei e sua irmã. Kimura percebia que sua consciência já estava se esvaindo quando num ato de desespero focalizou seu chakra no seu último recurso. "Vou te encontrar no outro mundo, meu amor." - Foi seu último pensamento antes de explodir uma tarja que grudara no peito para o caso de perder a batalha. A explosão fez ruir parte da caverna e jogou num mundo de poeira e calor a todos que ali estavam, enquanto os corpos de Chino e Kimura caíam pela cachoeira até sumirem nas brumas. -
NÃÃÃÃOOOO! - Gritou Himura, percebendo que agora, o chakra de Hokkai lhe dirigia atenção.
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Minutos depois...
Shiamazaki estava terminando a luta quando ouviu a grande explosão vinda da caverna. -
Mestre! - Desesperou-se ao se lembrar do último recurso que Kimura lhe havia confidenciado. Então, terminando o último golpe na última marionete, saiu em disparada em direção à cachoeira que agora sumia num grande pilar de fumaça. Serpenteando até a margem do rio que escorria da queda d´água, Shiamazaki viu o corpo de seu mestre boiando em grande velocidade rio abaixo. Saltando nas águas, em plena escuridão, a cobra o alcançou e abocanhou seu corpo para então sumir numa nuvem de fumaça. Nesse momento, os dois estranhos surgem à margem e arrastam o corpo de Chino que boiava logo atrás do garoto. -
Droga. Corpo errado. - Comentou o mais velho, decepcionado por ter sua cobaia desaparecida.
FIM... DA PRIMEIRA TEMPORADA.