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Onde estou? - Sussurrou sem acreditar que ainda estava vivo após o ataque dos terríveis animais. Com a vista turva e boca extremamente seca, ele começou a fitar o teto feito de lona, que se movia à medida que o vento arremetia sobre sua superfície. O jovem não fazia ideia de onde estava ou como havia chegado naquele local novo e estranho. Seu cérebro ainda parecia começar a captar o que acontecia em sua volta, e para lhe facilitar o processo, resolveu tentar olhar em volta quando seu ombro reclamou numa dor intensa. "Merda!" - Pensou com ressentimento, mordendo os lábios para segurar o grito de dor e não denunciar sua recém-chegada consciência. Foi quando levou a mão no ferimento e notou que estava coberto por faixas e curativos recém-trocados que cheiravam a erva medicinal.
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Alguém me salvou? - Estranhou ao verificar que estava deitado num colchonete bastante fino, numa espécie de carroça de carga. Cercado por barris cheios de água potável amarrados com fivelas de couro nas vigas laterais, ele viu algumas tiras de tecido colorido que amarravam uma tela que parecia protegê-lo dos insetos indesejados. Arqueando a cabeça para cima, na direção do cocheiro, ele não conseguia ver quem comandava o veículo, pois a lona descia ao seu redor mostrando pouco do ambiente exterior, exceto pelas frestas da armação por onde sentia o aroma de uma brisa que nunca havia experimentado. Ao longe, ele podia ouvir o som de um grande número de pessoas, além do som compassado das ondas e do peculiar canto das gaivotas. "Onde estou?" - Perguntou-se novamente quando seus ferimentos doeram novamente, obrigando-o a deitar-se e olhar para o teto ondulante.
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Enfim acordou. - Comemorou um velho que acabara de puxar a lona para verificar o ferido. Vestido com roupas típicas dos viajantes do deserto, o velho possuía a pele bronzeada e uma barba rala e malfeita. O senhor parecia feliz pela novidade, pois não conseguia conter a empolgação em suas mãos trêmulas.
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Onde estou? - Repetiu o menino curioso, sentindo a sequidão de sua boca, acompanhado do roncar de seu estômago. Na verdade, Daisuke não se sentia bem. Suas pernas e braços pareciam rígidos e suas costas doíam bastante. Suspirando forte com impaciência, ele esperou alguma resposta do velho que ainda escolhia que palavras usar.
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Bom dia! Chamo-me Toori! - Começou num sotaque carregado e desconhecido ao abrir um grande sorriso amarelado. Acenando com a cabeça, Daisuke não teve qualquer intenção de lhe contar o nome, afinal, a essa hora ele era um nukenin. Assim, quando o senhor percebeu que o garoto não responderia a apresentação de seu nome, resolveu continuar para o alívio do jovem que aguardou com ansiedade a explicação de como estava vivo. -
Você quase morreu! Garoto forte. - Exclamou. Segundo ele, os comerciantes estavam a evitar os oásis daquela região em que Daisuke fora encontrado. Por diversas vezes, suas caravanas foram atacados pelos chacais enlouquecidos que matavam seus animais na escuridão da noite. Eles nos deram tanto trabalho, que até uma recompensa fora oferecida para quem trouxesse as cabeças dos animais até chefe do comércio do oeste. Contudo, até então, ninguém os havia encontrado e sobrevivido. -
Você sobreviveu! - Disse ao levantar as mãos aos céus como se agradecesse aos deuses. Sem dúvida ele tinha motivos para comemorar, pois fora obrigado a passar pelo oásis em que houve a luta para repor o estoque de água que havia se perdido por causa de um furo no reservatório. Ao chegar, ele havia encontrado os chacais mortos e o garoto quase morto. -
Sou um homem de palavra. A recompensa pela morte dos animais também é tua, descontando o custo para cuidar de ti. - Completou com um sorriso feliz, entregando algumas moedas para o rapaz.
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Só isso? - Provocou o jovem, olhando as moedas.
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Está louco?! Cuidar de você saiu caro! - Respondia Toori, num tom já conhecido de comerciante. Daisuke não estava acostumando com o preço de se cuidar de enfermos, mas sabia que estava sendo enganado. Mesmo assim, lutara pela sua sobrevivência, e se isso lhe trouxe algum dinheiro, não iria reclamar da quantidade. "Velho metido." - Pensou consigo, voltando a se deitar após sentir dores novamente.
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Onde estamos? Por quanto tempo dormi? - Perguntou o loiro, olhando para o teto da carroça.
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Você dormiu por duas semanas. Estamos no extremo oeste do País dos Ventos. - Respondeu, apontando para um grande porto que surgia no horizonte, após circundarem uma colina vestida com grama ressequida. Daisuke não era grande conhecedor da geografia do País do Vento, porém desejava chegar ao País da Lua, que por sinal ficava ao sul. Ele pretendia cair no anonimato até as coisas "esfriarem" em sua Vila natal. Mas sua viagem sonolenta também serviu ao fim, pois o oeste era um território desconhecido e já ouvira falar que era bastante perigoso. Frequentado por piratas e ninjas desgarrados, o oeste vinha sendo explorado por rotas de traficantes devido a falta de cobertura em seu território. "Vai ser divertido." - Pensou enquanto ouviu as vozes de centenas de pessoas que se acotovelavam nos estreitos becos de uma pequena cidade portuária à margem da lei. Mercadorias eram transportadas por cavalos e outros animais desconhecidos, enquanto várias mulheres se ofereciam a um preço justo nas esquinas da aglomeração. O cheiro era insuportável. Urina e bosta. -
Logo você se acostuma. - comentou o velho ao notar a careta que o rapaz fizera. "Espero que sim". A carroça circundou as humildes casas até chegar num prédio de dois andares feito de barro e madeira. A cor amarelada de suas paredes indicava que ninguém prestava manutenção no local. -
Chegamos. - Falou o velho, com grande excitação ao saltar da carroça e sumir na entra do prédio.
Daisuke tentou se levantar novamente, e com grande esforço conseguiu se recostar no fundo do veículo, abrindo a lona para ter uma ideia daquela cidade peculiar de que nunca ouvira falar. Os transeuntes pareciam terem saído de algum filme de horror. Bêbados e maltrapilhos. Muito diferente daquilo que o jovem estava acostumado. -
Esta é Jishu, a dona do estabelecimento. - Disse o velho, apresentando uma senhora bem acima do peso que logo abriu os olhos quando viu o menino. -
Ela cuidará de você até conseguires caminhar. - Terminou Toori, dando-lhe um sorriso sem graça, convidando-o a sair da carroça. Com dificuldade, o loiro desceu com suas coisas e entrou no estabelecimento acompanhado da gorda que não tirava seus olhos gulosos do menino. O térreo do imóvel estava deserto. Era uma construção parecida com um bar, com vários cubículos perfilados como salas
vip. Daisuke não se importava com nada daquilo. Sua vontade é de deitar e esquecer os problemas. "Para de me olhar!" - Pensou incomodado enquanto subiam pelas escadas até o primeiro andar, onde lhe foi apresentado o seu quarto. Não era elegante ou sequer confortável. Uma cama de palha e um balde para fazer suas necessidades. "A que ponte cheguei." - Reclamou, mas logo a gorda lhe chamou a atenção e estendeu a mão num conhecido ato de cobrança. -
Vinte ryous pela semana. - Cobrou.
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Está bem. Mas... Onde está meu dinheiro? - Exclamou ao olhar pela pequena janela e ver que Toori já havia partido.
CONTINUA