"Como deve estar lá em casa?" - Pensava o nukenin, sentindo saudade da época em que sua vida era mansa e tranquila. Sentado num velho banquinho de um vestiário mal iluminado, ele levantou a cabeça e olhou em volta para atestar a precariedade do local. Quase sem nenhuma janela, o "vestiário" mais parecia um grande banheiro que fora adaptado. Com as paredes cobertas por azulejos amarelados pelo tempo e maresia, no local havia alguns armários de metal enferrujados e um grande espelho em que ele mal conseguia ver seu reflexo por causa das várias colônias de mofo que tomavam quase toda a parte refletora. O ar estava pesado, mas não porque o cômodo fedia a urina antiga, mas sim porque o jovem logo retornaria no galpão para duelar com um homem desconhecido.
Seria sua primeira luta agenciada e não sabia nada sobre o adversário, muito menos como seria a tal luta que fora contratada. Contudo, a promessa de dinheiro fácil e rápido deixava o jovem ansioso para acabar com a cara do sujeito da forma mais rápida possível. Suspirando profundamente após um leve sorriso, ele recomeçou a enrolar algumas ataduras em volta dos punhos enquanto escutava o eco dos gritos dos apostadores que torciam pela segunda luta da madrugada quando uma leve ponta de nervosismo chegou com um frio na barriga inconfundível. "Calma, idiota!" - Raciocinava ao tentar limpar sua mente para continuar com seu lento ritual de preparação. -
Vamos lá. Vá se aquecer. - Comandou Joshu ao entrar pelo curto corredor que levava ao vestiário.
Acenando de volta, Daisuke se levantou e viu seu empresário retornar à turba de torcedores. O loiro lembrou de que conhecia aquele homem há apenas uma semana e após uma briga contra um marinheiro-covarde-espancador-de-mulheres. Joshu era um homem magro de aparência não muito boa, pois seu nariz grande e quebrado o deixava com a aparência de um bruxo das histórias infantis. Engraçado por sinal. Mas apesar de sua aparência, o empresário tinha boa conversa e segundo ele mesmo, seus contatos neste Buraco onde moravam, além do talento do loiro, eram suficientes para lhes conseguir riqueza e fama rapidamente. Sua proposta foi tão tentadora que o nukenin nem pensou nas consequências que aquilo poderia trazer, afinal, como fugitivo, chamar a atenção com lutas clandestinas não seria um bom plano.
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Bom, vamos esperar para ver. - Comentou assim que se aproximou de uma coluna de concreto que segurava o teto. Enrolada com um fino colchonete, ele começou a esmurrá-lo com força e logo se machucou quando percebeu que o colchão estava gasto demais para diminuir qualquer dano. Daisuke olhou para seu punho dolorido pronto para balançar a mão num ato afrescalhado, mas se deteve quando ouviu os suspiros de um grupo de garotas que o olhavam sem camisa da entrada do vestiário. Seria sua chance de impressionar algumas meninas e quem sabe sairia dali com algumas companheiras para a manhã. A ideia não lhe parecia má. O que o fez retornar a seu aquecimento dolorido até que ouviu a voz de Joshu chamá-lo apenas de garoto, como sempre se trataram.
O coração do jovem quase saiu pela boca. Com aquele chamado, as garotas debandaram de volta a seus lugares com gritinhos de ansiedade no momento em que o loiro caminhava com seu empresário pelo estreito e escuro corredor para enfim ganhar o galpão num espetáculo grotesco de gritos, suor e sangue. Olhando em volta, ainda pôde reconhecer um ou outro de suas andanças pela cidade até que uma dupla esbarrou nele carregando o corpo de último lutador que acabara de cair. O sujeito parecia estar morto. Não importava. A adrenalina corria pelo seu corpo e começava a gostar de ser o centro das atenções. Ele e seu empresário logo terminaram de atravessar a arquibancada para ganhar o espaço da arena.
Era um buraco redondo escavado dois metros na terra fofa e escorado com tábuas negrecidas pela umidade do solo. Todo o círculo era cercado por arquibancadas de madeira onde dezenas de pessoas faziam apostas e gritavam histéricas para o início do último combate da madrugada enquanto o seu agenciador tentava sobressair sua voz para lhe dizer quem seria seu adversário da noite. Na verdade o nukenin não conseguiu escutar quase nada, exceto pela última frase que fez sua garganta secar. -
O nome dele é Retalhador! - Gritou Joshu, logo que ouviu todos os torcedores gritarem o mesmo nome das arquibancadas. Daisuke procurou o motivo da comoção e logo percebeu o porquê desse apelido, pois o homem carregava uma grande cimitarra nas costas. Parecia um bárbaro. Alto, musculoso, cabelos longos e tudo mais.
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E então rapaz. Está pronto? - Sorriu Joshu, jogando-o apenas um bastão.
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Bem que podias arranjar uma espada! - Reclamou o loiro, com desgosto.
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Se a vida lhe dá limões. Faça limonada. - Respondeu de forma sorrateira.
"Quer dizer: Se vira." - Pensou Daisuke ao se aproximar da arena quando enfim saltou para dentro. Suspirando pela encrenca que se aproximava, ele olhou em volta e viu todos os espectadores ficarem de pé a aplaudir e torcer, enquanto seu adversário bufava como um touro aprisionado, olhando o garoto e seu bastão de cima à baixo para sorrir com desdém. Logo o mestre de cerimônias perguntou se estavam preparados. O loiro sentiu um calafrio, mas mesmo assim respondeu que estava ao mesmo tempo em que o homem acenou positivamente. -
Comecem! - Gritou o precário juiz, o que levou o homem a sacar sua espada e jogar-se sobre o garoto com sede de sangue. O embate começara com os gritos dos torcedores.
A lâmina passava rapidamente retirando fios de sangue enquanto cortavam a madeira de seu bastão, tendo apenas sua agilidade para se defender, Daisuke saltava de um lado a outro enquanto trocava golpes à medida que o adversário arrogante lhe dava oportunidade para um contra-ataque até que a lâmina do homem atingiu a parede da arena, afundando fundo na madeira. Surpreso, o bárbaro suspirou e se esforçou para retirar a espada, mas não conseguiu. Então, com os centímetros de madeira havia restado do bastão, o nukenin girou o corpo com toda força e atingiu o rosto do cabeludo. Os dentes voaram numa explosão vermelha pela arena improvisada enquanto a mandíbula dele balançava sem controle. Daiusuke sorriu pela primeira vez ao vê-lo largar a espada e cambalear para trás com receio de colocar as mãos no queixo quebrado.
Jogando a madeira de lado, o jovem aproveitou o desespero do inimigo e disparou até o adversário até atingi-lo com toda força usando sua testa contra a dele. O estalo ecoou tão alto que se sobrepôs aos gritos da multidão. Com o choque, o vilão revirou os olhos e suspirou quando perdeu a consciência no mesmo instante quando todos os expectadores ficaram em silêncio como se não acreditassem no que acabaram de assistir. Passados alguns estranhos segundos, o locutor se aproximou desconfiado e esticou o corpo para conseguir ver por cima da mureta para checar o lutador favorito. Confirmando que o Retalhador estava inconsciente, o locutor rasgou seu bilhete de apostas com uma careta horrível e gritou a vitória do loiro com toda raiva que sentia.
Daisuke se levantou com dificuldade e cambaleou em recuo com alguns passos, sentando-se na areia com grande alívio. Estava vivo. Sem esconder a alegria, seu empresário saltou a murada e caiu sobre o garoto para agarrá-lo num grito emocional. Havia ganhado a primeira luta. O dinheiro logo entraria. -
Meu garoto, você tem talento! - Comemorou o agente, mostrando-lhe um maço grande de dinheiro que pegara do "booker". Ali tinha o suficiente para poder pagar um mês de pensão com todas as refeições incluídas. Daisuke sorriu como pôde e percebeu o quanto aquilo era perigoso, mas que diante das últimas expectativas, seria sua chance de retornar a riqueza que tanto prezava. Ajudando o loiro a se levantar, Joshu levantava o braço direito com dois dedos levantados num sinal de vitória enquanto arrastava-o para fora da arena sob as vaias dos torcedores.
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Qual é o seu nome garoto? - Perguntou o empresário.
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Saru. Meu nome é Saru. - Mentiu com o primeiro nome que lhe veio à cabeça.
FIM