As dunas douradas do deserto, causticadas pela luz impiedosa do sol ao meio-dia. Emanando seu amarelo intenso e brilhante, este fenômeno chegava a cegar alguns mercadores menos experientes que ousavam a continuar viajem a esta hora do dia. -
Muito bem. Aqui está ótimo. - Comentava a marionete-viva, buscando sua luneta para averiguar o que estava no horizonte. Daisuke suspiraria se ainda pudesse respirar. Aquela paisagem lhe era muito familiar. Com a visão limitada ao círculo do objeto, o nukenin avistou a trilha que circundava as dunas na direção do mar, onde a Vila do Buraco começaria se não fosse pelo esqueleto de uma grande muralha. Era exatamente como o pirata havia descrito. Dava para ouvir o ruído de construção. O metal entranhado em colunas com a base já coberta por concreto escondia a entrada principal da cidade, deixando apenas a mansão de Nero que despontava no morro à beira do precipício que descia até os rochedos que recebiam toda violência do mar. Varrendo o muro numa distância segura, Daisuke reconheceu alguns rostos dos trabalhadores da obra. Eram de seu tempo como funcionário do mafioso. Contudo, algo não parecia certo. Seus rostos cansados e temerosos eram vigiados de perto por marionetes estranhas. Cromadas como se fossem feitas de alumínio, os bonecos circulavam com grande desenvoltura, saltando por entre os andaimes espalhados pela muralha, esbarrando com violência nos obreiros mais fracos e cansados. O pirata não mentira mais uma vez... A Vila estava sitiada e controlada pelos dois manipuladores à mando de Lian. Mas essa situação estava para terminar. Pelo menos se tudo ocorresse como planejado. Nesse momento a marionete sorriu. Fechando a luneta, a máquina começou a caminhar calmamente em direção à guerra.
Passos firmes, sempre em frente. Não demorou muito para que o gigante começasse a refletir a luminosidade na direção da construção. Ao longe, Daisuke já começava a perceber uma grande movimentação por parte das estranhas marionetes, quando finalmente uma espécie de portão mal-acabado se abriu. E como as formigas, que enviam seus soldados para a proteção do formigueiro contra ameaças vindouras, dezenas de marionetes partiram na sua direção com grande velocidade para o combate. -
Parece que ainda não sabem. - Concluiu o invasor, retirando a parte de cima do uniforme para libertar seus seis braços.
Será divertido. E numa guinada surpreendente, a máquina usou suas poderosas pernas para saltar no centro dos inimigos metálicos. A poeira afastou os defensores que sem perceber já estavam sob o feroz ataque do gigante que parecia sumir e ressurgir por todos os lados, socando-os com tamanha força que as peças desprendiam de suas rótulas num espetáculo caótico e brutal de pedaços mecânicos. Todo o ruído e agitação na parte exterior do Buraco começaram a chamar a atenção dos escravos. Agora sem o açoite dos bonecos, eles assistiam tudo aquilo, formando grandes grupos que, de maneira singela, começavam a torcer pelo invasor a cada leva de marionetes que partia do Buraco para repor a frente de batalha. Seja quem fosse o invasor, nunca um inimigo causara tanto estrago no exército dos estranhos. -
Vamos lá! Vamos lá! - Atiçava Daisuke a cada soco certeiro. Nada como um desjejum antes do prato principal. Porém, em poucos segundos de combate, a marionete-viva começou a perceber que seus adversários artificiais começavam a pressioná-lo. De alguma forma, à medida que o combate se estendia, parecia que seus movimentos começavam a ser mapeados.
Isso não é bom. - Citação :
Há alguns quilômetros do combate...
Uma figura sorridente descasava à sombra de uma manta amarrada entre dois coqueiros. Deitada numa esteira de palha estendida preguiçosamente sob a areia da praia, o homem tinha olhos semicerrados, sonolentos, que procuravam algo no horizonte azul do mar. Bebericando algumas vezes em seu cantil, a cada gole lhe parecia ser bastante prazerosa, afinal, aquele daiquiri caseiro que comprara em sua última parada antes de chegar àquele arquipélago era de uma perfeição incrível... Impecável. - Poderia esperar aqui por muito tempo... - Comentava para si mesmo, tentando - e falhando - em se acostumar com a paz. Mas quando começava a se lembrar do motivo que o fizera aguardar naquele local, suas feições mudaram. Kazuki sabia que seu companheiro poderia estar em maus lençóis se seus planos não se concretizassem. Entretanto, suas estratégias nunca falharam... E não foi difícil descobrir o que aqueles piratas procuravam. As notícias voavam como o vento. Era o que aprendera depois de anos como espião. Nesse momento, o nukenin suspirou. Diante de seus olhos, a grande embarcação surgia no horizonte. Muito bem. - Comemorou o acerto da rota do navio. Com suas mãos ligeiras, Kazuki buscou um pequeno espelho em sua mochila, quase deixando cair um estranho pergaminho no processo. - Ops... Ainda não. - Dizia ao devolver o documento de volta à bolsa para só então estender o espelho contra o sol. Rapidamente o facho de luz direcionada atiçava a percepção das marionetes que controlavam o navio. O ninja podia até podia jurar que - apesar da distância - ouvira alguém gritar para que o navio mudasse de rota até a origem da luz. - Ótimo... Agora é só esperar. - Sussurrou, agora revelando o pergaminho com a fórmula secreta.
Peças, poeira e rochas voavam pela planície... A confusão se aproximava cada vez mais da turba que não sabia se torcia ou se fugia. Mas fugir para onde? As marionetes ainda açoitavam seus escravos, incitando-os a continuar o trabalho. Enquanto isso, Daisuke gargalhava. Seus olhos frios escondiam o prazer que sentia a cada máquina que rompia com seus músculos artificiais, mesmo começando a receber golpes pesados em sua blindagem. Como esperado... As máquinas estavam aprendendo com seu padrão de luta, tentando agarrá-lo como formigas ao redor da presa. Seja lá quem fosse o estranho, seu controle sob seus lacaios era inacreditável. -
Mas é só isso?! - Esbravejou, ao ver finalmente seu desafeto por cima da mureta mal-acabada. Com olhar de estranheza, seu antigo pupilo havia envelhecido. Cercado por homens portando lanças, o fedelho carregava uma barba rala e seu físico conseguido por meses de treino, parecia ter decaído pelo boa-vida que a posição de "chefe" lhe garantia. Mas a que custo? Trair seu próprio pai? Trair seu mestre? Trair Daisuke?! Aquela aparição só fomentou a tempestade de punhos que se aproximava barulhenta e violenta. Mas nesse momento, a próxima onda de máquinas que chegava freou seu avanço. Uma a uma. As marionetes agora cessavam a agressões sem qualquer intenção de retomar o combate, sob os olhos arregalados de Lian. -
Mas o que está acontecendo?! Acabem com o invasor!!! - Gritou o moleque, tentando entender porque agora as marionetes postas a protegê-lo agora se afastavam do agressor. O Hiroshi abriu um sorriso maquiavélico. Kazuki fora bem-sucedido. Desesperado, Lian enviou alguns de seus homens procurarem o estranho titereiro, mas este já havia sumido, chamando seus bonecos numa invocação inversa. Rapidamente o invasor ficou sozinho no campo de batalha.
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Posições defensivas! - Comandou o desgraçado, ainda atordoado com a reviravolta que se aplacou sobre ele. Mesmo não tendo reconhecido o atacante, Lian sabia que todos os seus piratas estavam no mar, procurando a fórmula que o estranho tanto ansiava. Seu contingente era insuficiente. Só lhe restava enfrentar o verme que ousara a tomar o Buraco de suas mãos. A pouca população da Vila ainda imaginava o que fazer. Agora libertos da escravidão, alguns não esperaram o desenlace, fugindo para suas casas querendo juntar o pouco que eles possuíam para partir o quanto antes. Enquanto outros, deixando sua raiva aflorar, queriam assistir na primeira fila esperando que o invasor trouxesse a destruição do filho ingrato. -
Enviarás apenas seus homens?! - Provocou o gigante, cruzando os seis braços esperando o próximo passo do escroto. Lian parecia vacilar, deixando seus homens em formação logo no portão de entrada. Apavorados, os homens tremiam como vara-verde, imaginando que não teriam como segurar o monstro antes que ele adentrasse no Buraco. Foi quando Daisuke resolveu acabar com a passividade do líder, enchendo seus pulmões artificiais de ar para disparar uma esfera de ar gigante bem no centro da formação de seguranças.
BOOMMM! E a guarda pessoal de Lian foi pelos ares num espetáculo de poeira e ossos quebrados. Suas lanças quebradas espalhadas pela planície sob um grande manto de poeira. -
Ratos! Apenas ratos! Mas na verdade... Quero o rei do ratoeiro! - Gritou Daisuke. -
Quero duelar contigo! - Concluiu. O alvoroço silenciou. Do alto da murada, Lian entendeu e reconheceu quem era aquele. Seu antigo mestre... Aquele que vendera para pagar os estragos em seu navio. Ele estava ali na frente dele. A vingança batia em sua porta.
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Eu aceito! - Disse, arqueando as sobrancelhas maliciosamente como uma hiena.
CONTINUA...