O poder de uma Deusa

Aos poucos, a areia que restringia o corpo chamuscado de Arami foi-se desvanecendo, retornando para a sua família que era todo o deserto. O Akatsuki suspirou de alívio ao ver-se livre do forte aperto, mas o seu olhar surpreso em direção à sua líder em nada mudou. A mulher com o cabelo multicolorido, as mãos verdes, o seu corpete vermelho coberto por um manto Akatsuki, o seu olhar sério, determinado. Gaina Moremane havia saído do esconderijo, mas, para quê?
- Arami, por favor, relembra-me qual era a tua missão... – Disse esta, como se antecedesse que o seu subordinado lhe fosse falar.
- Capturar as Placas das Almas, senhora! – Respondeu ele sem piscar, apressando-se de imediato a ajoelhar-se no solo arenoso, mesmo que as dores no seu corpo lhe pedissem o contrário, e a baixar a cabeça.
- E então, o que estás a fazer? – Continuou o interrogatório, olhando agora para a outra mulher loira que ainda estava presa na sua areia. Esta não teve muito tempo de atenção, pois o olhar da líder depressa se desviou para a criatura negra, prendendo-se nela. Não obteve resposta de Arami, como esperado de um subordinado que cometera um erro e só se apercebera demasiado tarde – Então, onde está o teu parceiro, Katsu Imagawa? – Novamente o silêncio de arrependimento – Estás a cometer muitos erros nesta tua missão, querido Arami. Erros que não deveriam ser cometidos considerando a tua posição. – Apesar de falar com o seu companheiro, o olhar nunca desprendeu da criatura negra que, apesar de ter a face coberta pelo cabelo, lhe parecia devolver o interesse – Mas eu perdoo-te. Afinal, errar é humano, não é verdade? – Perguntou esta com um sorriso irónico, olhando tanto para Arami quanto para a mercenário de Kumo – E quem é aquela?
Roumi iria responder, numa tentativa de não demonstrar medo ante todo aquele poder, mas Arami achou mais sensato ser ele a fazê-lo, interrompendo-a antes que ela sequer imaginasse uma resposta.
- Uma mercenária de Kumo, talvez incumbida de defender o templo que continha as Placas. Lutei com ela e estava quase a derrotá-la... – Neste momento, Roumi teve uma verdadeira vontade de contar a verdade, mas conteve-se – Até aparecer aquele bicho estranho. Daí não percebi nada do que aconteceu, só sabia que tinha de derrotar os dois...
- O que seria impossível, meu querido. – O olhar indignado de Arami encontrou-se com o de indiferença de Gaina, mas depressa retornou para a areia, rangendo os dentes de raiva – Não é que tu sejas fraco, mas dois humanos como vocês nunca conseguiriam derrotar uma das Placas das Almas, e logo a negra.
Como assim? A criatura negra era uma das Placas das Almas? De esguelha, o olhar de Arami perscrutou a sua líder. Que raio de coisa eram as Placas, afinal? Esteve este tempo todo a lutar com uma e nem sabia disso! E agora que pensava, o que tinha acontecido a Katsu Imagawa? Para ainda não ter aparecido, deve ter sido capturado ou morto. É a vida, era um ninja extraordinário, mas se realmente algo desse tipo aconteceu, então se calhar nunca teve ao nível da Akatsuki.
- É... bom ver-te... Gaina Moremane... – Como se fosse chamada à conversa, a voz sombria e esganiçada da criatura fez-se ouvir, para espanto de Arami e Roumi – Há... Quanto tempo...
- Eu até punha a conversa em dia... – Respondia a poderosa mulher, aproximando-se da mercenária de Kumo, esta que a fitou ameaçadoramente, tentando esconder o pequeno medo que fazia o seu coração bombear freneticamente – Infelizmente, hoje tenho muita coisa para fazer. – Com apenas um dedo, bateu violentamente numa das veias do pescoço de Roumi, levando-a a desmaiar de imediato. Com ela fora de cena, a areia que a restringia também se foi desvanecendo, deixando que o corpo tombasse, inerte – Mas estou a precisar da vossa ajuda. Da tua e das tuas irmãs – Dito isto, mudou o seu percurso em direção à criatura negra.
Arami apenas observava, quieto e calado ante a sua líder como aprendera. Não costumava ser assim ante qualquer pessoa e era óbvia que não era qualquer uma que podia o governar, mas Gaina era diferente. Ela era uma verdadeira deusa, sabedora de tudo e capaz de qualquer coisa. Só a habilidade de derrotar Roumi em uma questão de segundos quando ele demorara horas era razão suficiente para comprovar quem era o superior e o inferior.
- Já devias... saber, Gaina – A voz esganiçada da criatura era tão indiferente quanto a de Gaina. Era impossível distinguir quaisquer traços de emoção dos dois seres, algo louvável e que Arami gostaria de conseguir reproduzi. Mas era óbvio para ele que ainda não era forte o suficiente – Não... ajudamos humanos...
A líder limitou-se a sorrir, como sempre um sorriso irónico, já que era raro ser genuíno. Estendeu a mão direita e com ela tocou no ombro da criatura negra. Um movimento estranho, mas para os dois parecia ser completamente normal já que nenhum esboçou qualquer tipo de reação. A pele da Placa era áspera e transmitia ao toque uma aura negativa e de indesejo, tal como Gaina se lembrava.
- Depois vais ajudar-me a descobrir as outras Placas! – Recrutou, antes que a sua mão esquerda, com cada uma das pontas dos dedos submersas em chakra roxo, batesse violentamente na barriga da criatura, com a prisão de areia a abrir espaço para que tal acontecesse - Gogyō Fūi! – Pronunciou, rodeando a mão ainda em contacto com a barriga do alvo, selando imediatamente todo o chakra de que era composto a Placa. A criatura grunhiu de dor, depressa sucumbindo às tentações de ficar inconsciente.
E, mais uma vez, derrotou a criatura negra numa questão de segundos, algo que Arami era incapaz de fazer... O quão poderosa conseguia ser Gaina? Aborto a pensar na mulher, não percebeu que esta caminhava na sua direção e que o corpo da criatura negra simplesmente desaparecera do local. Só reparou quando esta se abaixou, para que o seu olhar encontrasse o de Arami.
- Está tudo bem? – A sua voz apresentava um tom querido e maternal, que, no entanto, não era necessariamente honesto. Mesmo que não o pudesse ser, o homem era incapaz de não ficar comovido ante o carinho, conseguindo apenas negar com um abanar de cabeça – Ainda bem, então. Então, não temos nada a fazer aqui. Não sabemos o paradeiro das outras Placas e temos o Katsu num problema muito grave – A menção ao seu companheiro despertou a atenção de Arami – Agarra-te bem a minha mãe e não a largas nem por nada, a não ser que queiras ter o teu corpo desfeito... – Avisou a mulher, estendendo uma das suas mãos verdes. Arami olhou para ela e conteve-se em segurá-la. Não pela sua estranha tonalidade que lhe causava repulsa ou qualquer outro sentimento, mas por segurar na mão da sua Deusa, como se fosse a tocar em algo sagrado. O Akatsuki fitou a sua líder, como se perguntasse se realmente podia fazer tal coisa, mas o olhar dela pedia que ele se despachasse, como se já estivesse com saudades do seu laboratório. Agarrou na sua mão, sem pensar mais, e apenas ouviu o nome da técnica antes do deserto desaparecer à sua vista - Tensō no Jutsu!

Ofegante, com o corpo a queimar de dores, Arami estava na mansão da Akatsuki, a olhar para as escadas que conduziam para o primeiro andar. Estava parcialmente nu, notando-se no tronco exposto diversos hematomas e queimaduras, além de que suava incrivelmente. A sua visão também estava turva, não demorando muitos segundos para que se apagasse, a meio do desmaio.
- Gaina-sama! – Gritou Sasami, aparecendo atrás das escadas, visivelmente feliz por ver a sua líder – O Imagawa está em estado crítico, não sei se aguenta muito mais tempo!
O novo alerta prendeu a atenção da líder, que ignorou o corpo inconsciente de Arami para socorrer o outro Akatsuki, que beirava as portas da morte. Juntas, as duas mulheres percorreram as escadas que conduziam para os andares inferiores da mansão.
- Deste-lhe todas as injeções que te ordenei? – Perguntou a líder, como se procurasse algum relatório de um exame médico.
- Sim, mas apenas o ajudou a sobreviver alguns minutos. Não consigo perceber o que se está a passar com ele!
- Eu sei o que se passa...
Acabando de percorrer as escadas, deram com um corredor que continha inúmeras portas, mas das quais apenas uma foi aberta. Entraram num cubículo que aparentava ser um bloco operatório. Tinha inúmeros aparelhos médicos e ferramentas, apresentando uma singular cama no seu centro na qual jazia o corpo de Katsu, inconsciente, severamente alternado. A pele havia sido substituída por uma longa camada de pasta gelatinosa verde, que borbulhava intensamente como se corroesse algo. Era impossível distinguir qualquer traço humano naquele ser...
- O Futton e Suika não são naturais dele. Apesar da operação de introdução das células dessas duas habilidades tenha sido bem sucedida, o corpo dele entrou em colapso quando se deparou com um novo chakra! – Começou Gaina a explicar, não se abstraindo do trabalho hábil que fazia com as máquinas e ferramentas à sua disposição – O corpo está a rejeitar uma das habilidades, se eu demorar muito ele vai eventualmente morrer.
Apesar de Sasami não estar sinceramente preocupada com tal acontecimento, esta ajudou esforçadamente a sua líder em tudo o que lhe era possível.

Aos poucos, o coração voltou a bater. A consciência invadiu aquele corpo a seu próprio ritmo, devolvendo-lhe a percepção de tudo à sua volta. Estava tão escuro... Sentia que o seu corpo passara um grande tempo de exaustão, algo não suportável a qualquer comum humano, mas que, no entanto, ele fora capaz de suportar. Mexeu um dos dedos, tentando sentir-se, para depois perceber que era algo estranho. Mexeu a cabeça, mas continuou a não ver nada, sentindo apenas um toque constante e macio, como se tivesse deitado sobre uma nuvem e nela descansasse por muito tempo. A sua respiração não estava ofegante, mantendo-se calma tal como todo o seu espírito.
- Onde estou? – Perguntou, numa voz grossa que o surpreendeu pela sensação de não a ouvir há tanto tempo.
Ninguém lhe respondeu. Sentou-se no que parecia ser a sua cama e pode constatar que realmente estava vivo e que acabara de acordar, mas que mesmo assim se sentia tão cansado. Levantou-se, embora as pernas tremessem freneticamente e lhe pedissem exatamente o contrário, e caminhou por entre a descomunal escuridão, na vã tentativa de encontrar a saída. Por sorte, a sua mão encontrou a maçaneta de uma porta, não demorando a abrí-la. Sucedeu-se um clarão de luz, que depressa foi substituído pela visão de uma pequena criança. O olhar torrado dela indicava espanto.
- Papi? PAPI! – Um abraço quente apertou-lhe a cintura, obrigando-o a soltar um ligeiro grunhido de dor. Todavia, o carinho do acto fê-lo esquecer da dor que o mesmo proporcionava, afagando os cabelos da pequena criança – Estava tão preocupada... – Choro era abafado no seu tronco despido. Reparou, nesse momento, que estava quase nu, se não fossem uns estranhos calções brancos que vestia – Estiveste uma semana... Doente! E eu estava preocupada! Tentei ajudar, mas Gaina não me deixava ver-te! Eu tentei mesmo ajudar!
O Imagawa limitou-se a gargalhar, não deixando de afagar os suaves cabelos da sua pequena filha. Sentira saudades daquele carinho e, principalmente, da sua pequena. O calor do momento nem o fizera preocupar-se com o facto de ter estado uma semana inconsciente.
- SEKIMA! – Aquele grito feminino era facilmente reconhecivel. Como esperado, a descer as escadas surgiu Sasami, com os seus cabelos ruivos elegantes como sempre. Esta estacou quando viu o abraço entre pai e filha – Ah, uma reunião Imagawa... Que sorte a minha!
- Também é bom voltar a ver-te, Sasami! – Troçou Katsu, soltando uma leve risada. Sentia-se estranho, diferente, e não sabia explicar o porquê. Cada parte do seu corpo parecia nova, como se arranjasse novas peças para o robô que não era – O que aconteceu?
- Apareceste aqui quase a morrer, ou se calhar até morreste, não sei bem. Só sei que parece que ficaste em coma, ou uma merda assim parecida... – O relato dela era mais confuso do que esclarecedor, indicando a sua clara falta de paciência para falar no tema – Não gosto muito de medicina, vai falar com Gaina-sama. Ela disse para ires imediatamente a ela mal acordasses.
O Imagawa acatou a indicação, tentando apartar Sekima de si. Todavia, a pequena apenas apertou o seu abraço, mostrando que não se queria desapegar do seu pai, que não conseguiu evitar sorrir.
- Pirralha, deixa-o ir, ele tem de falar com a líder! – Ordenou a Akatsuki, cada vez mais impaciente com a criança à qual ficara incumbida de tomar conta.
Sekima assim o fez, enfraquecendo o aperto gradualmente, parecendo querer aproveitar cada pedaço do seu pai enquanto ainda estava vivo. A custo, finalmente afastou-se, mas os seus dois olhos amarelos nunca se descolaram dos de Katsu.
- Papi, não voltes a dormir, por favor... – Pediu esta inocentemente, tentando em vão sorrir. Sasami agarrou-a pelos ombros, murmurando qualquer coisa desagradável, e retirou-a do local – Amo-te, papi! – Gritou a pequena antes de desaparecer pela escadaria.
O Akatsuki não parou de sorrir, tocado pelo carinho e amor da sua filha, que nem era do seu sangue. Queria ter ficado mais tempo com ela, brincar um pouco e compensá-la por ter estado tão ausente, mas Gaina não lhe permitiria por enquanto. Juntara-se àquela organização, tinha de ter algumas prioridades...
Ao invés de seguir pela escadaria, deu meia-volta e continuou pelo sombrio corredor até à última porta de todas. Abriu-a calmamente sem bater antes, vendo a sua líder sentada numa poltrona, de pernas cruzadas, a estudar atentamente um folha. Ela reparou logo na presença de um dos seus subordinados, sorrindo-lhe carinhosamente.
- Finalmente acordado, garanhão? – A forma como ela os tratava era sempre estranha para o Imagawa. Se era uma líder, deveria sempre impor algum respeito e diferença para com os seus subordinados. Contudo, ela apenas os tratava carinhosamente, como se fossem de igual estatuto – Uma semana a dormir, acho que descansaste o suficiente.
- Sim, mas ainda tenho o corpo todo dorido... – Recrutou o Imagawa, sem o intento de se passar pelo aleijado que ainda precisava de cuidados médicos. Queria apenas meter conversa.
- É natural, ficares tanto tempo deitado. E também, grande parte da tua carne já não é bem tua! – Ela disse aquilo com a maior naturalidade do mundo, dando outro sorriso carinhoso. O semblante do Imagawa foi apenas de pura ignorância – Vou explicar-te o que aconteceu. Um chakra dourado, presumi que fosse dos monges por já o ter visto antes, invadiu-te o corpo... – Até ali, Katsu conseguia acompanhar – E isso causou um grande colapso no teu organismo, por já teres diferentes outros tipos de chakra nele a viver. O teu Futton “ganhou vida” – desculpa, não consigo arranjar uma melhor definição – e correu-te grande parte do corpo. Tive de recriar as tuas pernas e um bocado do torso com o meu Kaibougaku Tousui no Jutsu. O problema era o teu Suika: o corpo em colapso transformou-se em água que depois mudou para ácido, voltando ao estado de carne com ainda camadas de ácido por cima. Esse processo repetiu-se inúmeras vezes até estares quase morto. – O relatório de Gaina era muito mais detalhado do que Sasami dera e, por tal, Katsu não podia comprovar se realmente entendera. Tinha percebido o essencial, isso era certo – Assim, removi qualquer célula de Suika do teu corpo. Vai demorar a acostumar, mas era essencial para a tua sobrevivência.
O Akatsuki olhou para a sua mão. Era mesmo verdade? Concentrou chakra na mesma, e depressa notou que não sentia nada e nada acontecia. Adquirira aquela habilidade há tão pouco tempo e aprendera a gostar dela, para depois ela desaparecer sem mais nem menos... Tentou inúmeras vezes transformar a mão em água, mas nenhuma delas com sucesso.
- Agora que estás consciente do que se passou contigo, temos um assunto mais sério a falar – Mudou o assunto repentinamente, atirando a folha para o ar e soprando nela gentilmente. Inexplicavelmente, a folha pairou lentamente até pousar na mão que o Imagawa ainda tentava transformar em água, quebrando-lhe a concentração – Olha para a folha.
O Akatsuki assim o fez, observando o que era uma ficha de dados de um rapaz qualquer.
- Tsutao Uchiha... Konohagakure... Dezasseis anos... – Murmura para si à medida que lia as informações – Tenho de capturá-lo? Não parece ser grande coisa...
- É melhor te sentares, tenho umas coisas interessantes a contar-te!