O primeiro passo dos sonhos

Vendo os Jounnin de Kirigakure a afastarem-se o mais depressa que lhes era possível, Katsu suspirou e coçou a sua nuca. Lembrou-se dos tempos em que ele também fora um Jounnin da névoa, na vila que descobriu sobre o sistema atual de Shinobi e aprendeu a detestar. Usado como base de experiências para o Futton e Suika por Okashii, fugiu mal teve oportunidade. O Futton nunca chegou a se manifestar, surgindo por seu lugar o desenvolvimento de Santon, que meses mais tarde entrou em conflito com o Suika e obrigou a Gaina a removê-lo para bem-estar do Imagawa. Apesar desse seu passado negro com Kiri, ao olhar para a sua filha, que estava toda animada a falar com Ayame sobre o curto combate que acabara de ter, lembrou-se que fora nos esgotos dessa maldita vila que encontrou e adotou aquela pequena criança. À sua mente vieram as imagens do estado deplorável dela, completamente suja e demasiado magra para alguém da sua idade, contrastando com a sua alegria e bem-estar atuais, além de se tornar, a cada dia, uma menina cada vez mais forte. O seu peito encheu-se de orgulho ao relembrar-se disso.
- Como é que tu consegues ser tão forte, sua fofa? - Perguntou Ayame, soltando uma doce risada da Imagawa que afastou o braço de si e fez força na tentativa de mostrar o músculo que ainda não tinha. A Midori não controlou o riso.
- Ayame...
Ao ouvir o criminoso a pronunciar o seu nome de forma tão fria, a Chunnin ergueu-se e fitou o seu olhar pétreo. A Sekima conseguiu entender o súbito ambiente desconfortável que se instalou, abraçando-se às pernas de Ayame como se soubesse e temesse o que se seguiria.
- Não preciso de lutar contra ti para saber que ainda estás demasiado longe de me conseguires derrotar. - Acabou por falar, não conseguindo controlar o tom insensível e algo agressivo. - Porque é que estás inscrita neste torneio?
O olhar até agora animado da Midori congelou tanto quanto estava o de Katsu. Fitaram-se por breves segundos, como se estivessem a ler as mentes do outro. Nesse tempo, Sekima colocou ambas as mãos em frente do peito, sentindo-o a ficar gradualmente ofegante à medida que a tensão no ar se intensificava.
- Esta conversa ridícula, outra vez?! - Gritou Ayame, muito mais alto e irritada do que queria - Estou farta que as pessoas me tratem como um fardo inútil. Estou a participar no torneio para mostrar a todos que não sou a princesa em apuros que precisa sempre de ser salva! Quero provar que consigo proteger aqueles que eu amo, que tenho as forças para lutar pelo que eu quero! Se não queres lutar comigo, a escolha é tua, inscrevi-me neste Torneio e calhei na tua equipa e pretendo levar a minha decisão até ao fim, com ou sem a tua ajuda!
Estabeleceu-se outro momento de silêncio. A pequena Sekima tentou falar com ambos mesmo que estivesse assustada com a discussão, perguntando o que se estava a passar e pedindo calma. Ao ouvir os pedidos inocentes da criança, Ayame acabou por acalmar-se e pediu-lhe desculpas secamente, olhando de seguida para Katsu. O seu olhar pétreo estava agora virado para o chão, desligado do seu redor.
- Até uma gaja com a minha idade consegue ser mais homem que tu, esfregona! - O coração do cabisbaixo Akatsuki começou a bater violentamente, levando a que a sua cabeça se erguesse para encontrar uma "pessoa" que não via há mais de uma semana. A sua boca abriu-se de espanto ao ver Tsutao ao lado de Ayame com um sorriso perverso - Se eu estivesse com o corpo ainda me fazia a esta febra, podes crer! - O Imagawa permaneceu quieto, nunca desviando o olhar do seu alter-ego à medida que este rondava Ayame, olhando para todo o seu corpo - Já lá vai um tempo, Katsu. Saudades?
- Para voltares a aparecer deves querer alguma coisa... - Respondeu secamente, não reparando nos olhares confusos que as raparigas lhe viravam.
- Na verdade fiquei interessado com esta coisa do torneio. Sabes como eu gosto de lutas, espero que me deixes participar em algumas! - A emoção do Uchiha apagou-se sobre o olhar frio do Imagawa, fazendo-o suspirar - Ages como um peixe morto a toda a hora?! Nem sei de onde é que sacaste esta moçinha com esses olhos irritantes! - Falou, apontando para Sekima que não sabia da sua "existência" - Não gosto de dividir o meu corpo com alguém idiota como tu. Há uma semana atrás estavas todo decidido a matar o Hideyoshi e agora andas a perguntar a belas mulheres o porquê de quererem lutar em vez de as levar logo para a cama?!
- Já percebi que nunca tiveste uma namorada na tua vida. - Respondeu o Akatsuki com um sorriso divertido, o seu primeiro em tanto tempo, levando Tsutao a rir-se do seu comentário. - Ela tem um objetivo interessante, mas eu não me posso dar ao luxo de ter o mesmo.
- Então não eras tu quem tinha aquele sonho engraçado de criar uma larga comunidade, igual àquele teu clã estranho, que tu possas proteger e impedir que aconteça o mesmo que aconteceu às nossas famílias? - Perguntou o Uchiha, andando pelo local como um fantasma, olhando sempre para Ayame ou Sekima - Os nossos mais queridos morreram pela ambição de outros homens que apenas queriam poder. Amor por poder, é engraçado o mundo atual, não é? Eu admito que não me tornei muito melhor que o Hideyoshi ou o pai da Kimera, esqueci-me da porra do nome desse gajo, e não, não estou arrependido por ter quase morto o Takeshi, mas isso não quer dizer que tenhas de ser igual a mim. Eu ajudo-te no teu sonho porque sei que és forte o suficiente para o realizar. Mas se chorares como uma criança pior que esta aqui por coisas de nada, então vou acabar por te matar e ficar com o corpo! - O olhar do Imagawa pareceu ganhar cor perante as palavras agressivas do seu alter-ego, que se encontrava com o Sharingan ativo - Se eu agora não choro pela morte da família não consigo perceber porque o fazes tu. É ridículo ver uma gaja boa como esta ser mais homem que tu!
Após um discurso tão peculiar, desapareceu da vista de Katsu da mesma forma que apareceu, deixando-o com os seus pensamentos que finalmente começavam a enfileirar-se. As raparigas ainda estavam estupefactas a olhar para o curto monólogo do Akatsuki, completamente inconscientes da presença de Tsutao, estranhando ainda mais quando se seguiu um profundo silêncio.
- Eu tenho algo para fazer. Primeiro ajudo a Gaina e depois ocupo-me com o meu objetivo. Devo estar mesmo uma merda para ter um puto como o Tsutao a dar-me sermão! - Riu-se com o seu pensamento, assustando ainda mais Ayame que já cobria os olhos de Sekima para que esta não visse as figuras estranhas do seu pai.
- Katsu? Estás... bem? - Arranjou finalmente coragem para perguntar apesar de ainda temer a resposta que poderia seguir-se.
- Ayame, podes tomar conta da Sekima? - Perguntou, levantando a cabeça e encarando a sua parceira de equipa com um largo sorriso, que a surpreendeu - Peço desculpa pela minha atitude até agora, mas depois eu compenso as duas! Agora tenho uns assuntos para tratar, divirtam-se!
A Midori estendeu a mão como se tentasse segurá-lo pelo braço para o impedir de desaparecer com um Shunshin, mas não foi a tempo. Acabou por afastar ambas as mãos da cara de Sekima, que ainda tentava conseguir ver, questionando-se sobre o que acabara de passar.
- O papi? - Perguntou a criança, olhando à sua volta para perceber por onde ele fora e assim poder segui-lo. Percebendo que já não o conseguia ver, escondeu um olhar triste - Eu não gosto que ele me deixe para trás...
Comovida pela sensibilidade da criança ante o seu pai, a Midori aproximou-se dela e pegou-a pela mão.
- Se ele tem assuntos a tratar não o vamos embaraçar, certo? - Falou com um sorriso gentil, contentando-se ao ver uma cabisbaixa Sekima acenar afirmativamente - Que tal passearmos um pouco por Cha no Kuni? Sei de alguém que vais adorar conhecer!

Afastando-se das casas altas dos nobres mais ricos da vila, Katsu percebeu que se aventurava numa zona mais pobre de Cha no Kuni. Algumas casas pareciam destruídas ou queimadas, provavelmente afetadas por desastres naturais para infelicidade dos seus moradores, e haviam muito mais vagabundos encostados a paredes ou postes a pedirem esmolas. Tentando abstrair-se de toda esta pobreza, focou-se em encontrar as referências dadas por Gaina para encontrar o homem que ela ordenou procurar. Deu finalmente com a pequena barraca de madeira com uma lápide no jardim, algo único em todo o perímetro, com um par de flores murchas à sua frente. Aproximou-se e desviou o olhar para as gravuras na lápide, "Oogata Yuta". Tentando ignorar tão estranha decoração de jardim, cerrou o punho e bateu na porta da madeira, que se abriu com um estridente gemido.
- Oogata Turo? - Chamou, espreitando para dentro da barraca para apenas perceber que estava demasiado escuro para se distinguir alguma coisa. Conciliado com o facto de ninguém lhe responder não o colocou muito confortável com a situação - Oogata Turo? Está aqui alguém?
Um vulto entre a escuridão sobressaltou-o, levando a concentrar chakra no braço em preparação para o pior. Para sua felicidade, o movimento do vulto foi para acender uma pequena vela, intensa o suficiente para iluminar um rosto coberto de rugas e manchas estranhas de um velhote, que com os seus olhos fechados não dava a entender se olhava ou não para o Imagawa.
- Há muito tempo que não recebo uma visita! - Falou o velhote com calma, tossindo secamente de seguida e nunca abrindo os olhos. Katsu começou a pensar que se calhar ele não consegui fazê-lo - Não consigo entender o que um jovem tão bem constituído como você está a fazer na casa de um velho humilde como eu.
- Bom-dia, Oogata Turo. Chamo-me Katsu Imagawa, sou um Akatsuki que veio a mando de Gaina Moremane. Ela disse que o senhor teria algo para me dar. - Manteve um tom cordial e respeitador perante um ancião como aquele, apesar do cheiro nauseabundo da barraca começar a perturba-lo. Além de que a falta de luz (a vela apenas incidia sobre o semblante do homem) continuava a incomoda-lo. Reparou como o homem estacou quando ouviu o nome da verdadeira líder da Akatsuki, parando de caminhar (fosse lá para aonde estivesse a ir naquele cubículo tão pequeno) e começando a balbuciar para si mesmo. Katsu pensou dar-lhe algum tempo para organizar as ideias, mas a situação apenas se prolongou durante demasiado tempo, na qual a confusão do velho apenas se agravava a cada murmúrio. Viu-se obrigado a interrompe-lo com uma tosse propositada que prendeu o seu olhar fechado - Oogato Turo? Podia ajudar-me no que Gaina me ordenou?
- Eu não sei o que alguém como tu está a fazer com a Gaina... - O Imagawa reparou na súbita hostilidade na voz do velho, mas preferiu ignorar. O seu olhar focou-se no movimento do velho, que esticou vagarosamente a vela à sua frente para iluminar uma parcela da sua barraca, procurando por algo - Vivi tempo suficiente para que esta altura chegasse, espero que isto salde a minha divida com ela e que não perturbe mais a minha vida e do meu irmão. Recomendo-te que faças o mesmo, antes que também saias prejudicado.
Incerto sobre como reagir aquelas palavras, Katsu preferiu manter-se firme na sua ambição e desejo de ajudar Gaina nos seus objetivos para consequentemente cumprir os seus. Viu que o velho se agachou, sobre o som de muitos ossos a estalarem, e agarrou em algo, erguendo-se e virando-se para o Imagawa. Tinha na sua mão livre um chifre dourado, ornamentado com diversas jóias, como rubis, safiras, quartzo e outros minerais brilhantes e coloridos, ao longo do seu cone que era massageado pela mão rugosa de Turo.
- Este é o Kousen no Keiteki, o objeto divino que nunca devia ter parado às minhas mãos. Esta é a encomenda que guardei ao longo do tempo à espera que Gaina o viesse buscar. Quando o entregares, pede-lhe que ela cumpra a sua promessa, se for realmente mulher de palavra que me garantiu ser.