Progressão para a surpresa

Katsu engoliu em seco ante a pergunta de Takeshi. Não podia imaginar o que a Gaina podia ter feito ao corpo do seu pupilo, se é que havia feito realmente algo. O potencial dela com o corpo humano era ilimitado! O Imagawa mordeu tenuemente o lábio só de imaginar que ela podia ter enfiado, fosse de que maneira fosse, uma criatura nojenta como aquela que encontrou no laboratório no corpo de galinha do Uchiha...
- Katsu! - Rosnou o ruivo, cada vez mais impaciente com a hesitação do seu professor. Ainda lhe custava a acreditar que a Gaina, a mulher que lhe salvara a vida, era assim uma pessoa tão diabólica. Contudo, a sua amizade com o sensei fazia-o acreditar nele. Mesmo assim, ainda havia umas reticências... - Por favor, diz-me! Se ela me fez alguma coisa, diz-me!
O Akatsuki continuou a hesitar. Olhou para o lado, procurando refúgio nos olhos esverdeados de Ayame. Mas esta apenas lhe devolveu mais preocupação com o rumo da conversa. Quando Takeshi voltou a chamá-lo com um rosno, o Imagawa explodiu:
- Não sei, porra! Ela não disse nada, e eu não tenho como adivinhar! Ela não me deixou assistir à operação... - Nessa altura, os olhos dele arregalaram-se com a sua realização. Por alguma razão, Gaina não o tinha deixado assistir à operação, por muito responsável que ele se sentisse pelo seu alter-ego ter atacado tão violentamente o pupilo. Só podia significar uma coisa... - Mas desconfio que ela tenha feito alguma coisa. É a Gaina, nunca se sabe! Ela pode fazer qualquer coisa...
Exasperou, cambaleando para trás e remexendo no longo cabelo furiosamente. Sekima ainda estava ao seu lado, nunca lhe largando a mão. O Uchiha estava hirto, tão incrédulo que os seus olhos e boca não podiam abrir-se mais...
- Ayame... Não consegues descobrir se o Takeshi têm alguma coisa? - Perguntou hesitante, consciente da resposta. Quando a Midori negou com um abanar de cabeça, Katsu suspirou - Não têm problema, não têm problema! - Ele não queria perder o seu aluno, logo agora que tanto precisava dele para combater uma adversária tão temível quanto a Gaina. Uma pessoa veio-lhe imediatamente à cabeça. - Se há alguém capaz de descobrir o que tens, além da própria Gaina, deve ser a Kimera!
Takeshi desceu a cabeça, começando a fitar o chão na tentativa de esconder o seu sofrimento. Não conseguia evitar sentir repulsa de si mesmo, consciente de que havia algo no seu corpo, um vírus, que não lhe pertencia e que, por muito que não fosse bem-vindo, lhe era prejudicial. Embora não entendesse perfeitamente o que se estava a passar, Ayame conseguia entender o mínimo da situação para perceber o quão alarmante era.
- Eu tenho de ir para Kusagakure, antes do Torneio dos Deuses. Takeshi, eu posso levar-te comigo! Tenho a certeza que a Kimera pode descobrir o que tens! Depois de me matar, claro...
A konohanin esgueirou-se para beira do apático Takeshi, envolvendo-o nos seus braços num carinhoso abraço. Ele não lhe devolveu o abraço, mas deixou ser acarinhado. Enquanto a adolescente tentava apaziguar-lhe o sofrimento com murmúrios encorajadores aos ouvidos, ele ergueu a cabeça, os seus olhos vermelhos como chamas a encontrarem-se com os negros como carvões do seu tutor.
- Ela é de confiança? - Perguntou, não conseguindo, ou não querendo, esconder o sofrimento preso na garganta que fazia a sua voz sair a custo.
- Já lhe confiei a minha vida e do meu clã inteiro uma vez! Voltaria a fazê-lo! - Respondeu o Imagawa com convicção, aproximando-se do Uchiha quando Ayame o largou do seu abraço, pousando uma mão solidária no seu ombro. - Se tiveres alguma coisa, ela cura-te isso com uma perna atrás das costas! Confia em mim.
Comovido com o apoio dos seus dois amigos, o Uchiha inspirou profundamente e soltou um longo suspiro. Olhou para baixo e, para sua surpresa, encontrou os olhos amarelos e grandes de Sekima a fitarem-no com preocupação. A rapariga não dizia nada, mas não precisava de o fazer. Takeshi não conseguiu evitar rir da sua figura triste; foi capaz de se deixar ir tão abaixo ao ponto de uma criança se preocupar com ele! Gargalhou secamente e afagou-lhe os cabelos grisalhos.
- Se tu confias nela, então não tenho nada para dizer... Só espero que não te esqueças que isto tudo é culpa tua. - Falou, num tom calmo, fitando o seu professor durante alguns segundos. Esticou a sua mão e apertou firmemente a de Katsu quando ele esticou a sua.
- Preocupa-me que adies a investigação ao teu corpo por muito tempo, mas se desaparecermos de Cha no Kuni sem terminarmos os nossos compromissos vamos levantar demasiadas suspeitas, algo que eu não preciso mais. Não te importas de esperar até ao final do Torneio e do Exame? - O seu estudante anuiu com a cabeça com alguma hesitação - Muito bem, vamos seguir como se nada tivesse acontecido. Caso aconteça alguma coisa, avisas-me logo, percebeste, Takeshi?
O rapaz voltou a anuir com a cabeça. Instalou-se um momento de silêncio em que ninguém sabia o que dizer e os que sabiam receavam fazê-lo. Coçando na cabeça, Katsu olhou pela janela, ignorando a desarrumação no apartamento, e reparou que a hora para almoçar já passara à muito. Faltavam horas para que os primeiros confrontos do Torneio se iniciassem, tal como as primeiras etapas do exame.
- Todos temos coisas para fazer agora. Não pensem no que vos contei nem no estado do Takeshi, apenas se vão distrair do que estão a fazer. Takeshi, tu vai para o Exame, eu e a Ayame vamos ter a nossa luta daqui a umas horas. - Aconselhou, embora a sua mente tivesse tão preenchida de preocupações quanto a dos dois adolescentes.
Relutante, o ruivo abandonou o apartamento, sem antes receber mais palavras carinhosas de Ayame e Sekima, dirigindo-se para a primeira etapa do Exame antes que faltasse e fosse desclassificado. A Midori aproximou-se do seu parceiro de equipa e fitou-o com preocupação. Quis dizer alguma coisa, perguntar-lhe o que mais é que ela não sabia sobre os dois Nukenin (dos quais se aproximou bastante num curto período de tempo), mas achou que seria inadequado. Se o Imagawa quisesse falar com ela, certamente o faria caso achasse necessário...
Ele acabou por nunca o fazer. Katsu e Ayame ficaram mais próximos à medida que lutavam, sentindo o sabor da vitória nas primeiras rondas. Conheceram diversas pessoas com diferentes ideologias e poderes, mas nenhuma equipa foi capaz de fazer-lhes frente. No entanto, depressa conheceram a derrota. Embora Katsu estivesse consciente que a sua equipa tinha poder suficiente para ganharem o Torneio sem problema, Tsutao decidiu que também queria participar. A sua atitude egoísta e demasiado explosiva levou Katsu e Ayame à desclassificação, para frustração de ambos. O Imagawa não ficou frustrado por ter perdido (com o problema de Gaina na cabeça, nem conseguia preocupar-se com trivialidades como o Torneio de Todos os Ranks), mas pela sua fama ter piorado ainda mais, além da de ser o líder da Akatsuki, quando Tsutao maltratou Ayame no último combate e lutou de forma desonrada. A Midori sabia que havia sido o alter-ego de Katsu a tratá-la assim, mas não conseguiu evitar dar-lhe um par de calduços por se deixar dominar tão facilmente por aquele Uchiha infantil. Não mais preso a Cha no Kuni pelo Torneio, Katsu quis partir imediatamente para Kusagakure, com pressa de tratar dos seus problemas antes do Torneio dos Deuses, mas, para seu orgulho, Takeshi ainda não havia perdido no Exame, encontrando-se na final contra Kride Uchiha (que Katsu nunca ouvira falar e também não lhe interessava). Só tinha de esperar para que a final do Exame e do Torneio terminassem para ir às cerimónias e partir imediatamente para Kusagakure.
Durante esse tempo, dedicou todas as noites para ler excertos do diário de Gaina. O início era monótono e desinteressante, como esperado de qualquer diário, retratando a vida de Gaina quando nasceu numa aldeia rural no País do Fogo (que deixou de existir anos depois), há muitos séculos atrás. Depressa se distinguiu como uma médica excecional, tão hábil no ramo da medicina, biologia e outros, que esperava-se ser ainda melhor que a Tsunade. No entanto, tudo mudou quando desenvolveu, por experiências feitas no seu próprio corpo, o Jintai Soujuu, a manipulação do corpo humano.
De início, ela achava que era uma dádiva dos Deuses (Katsu achou esta parte excecionalmente irónica) e que devia ser usada para salvar todas as pessoas ao seu alcance que sofriam. Todavia, os conselheiros do País do Fogo não partilhavam dessa opinião. Perceberam que o poder dela era apenas a raiz de algo muito mais incrível e incontrolável. Temeram-na, sem razão, das coisas que ela ainda não havia feito. Reuniram os melhores ANBU para tratarem dela, confiantes que, como não passava de uma médica, seriam o suficiente para tomar conta do assunto. Quando a Moremane se viu ameaçada por uma dezena de homens mascarados, não percebeu o que estava a acontecer. Não se defendeu, pensando que tudo aquilo não passava de um mal-entendido, quando uma Ninjaken lhe trespassou o abdómen e outra o coração, morte certa para um humano normal. Foi quando entendeu que era imortal, que a sua habilidade podia restituir qualquer tecido que eles lhe cortassem até ao estado natural e, mesmo que eles o arrancassem, ela podia simplesmente criar um novo sem morrer durante o processo. Matou-os, sem qualquer esforço, e divagou. Não percebeu porque a quereriam morta, uma pessoa que decidira dedicar a sua vida a salvar a dos outros em vez de a tirar. Quando se aproximou dos primeiros homens que matara, não sentiu qualquer fio de arrependimento ou nojo. Agachou-se sobre eles e não conseguiu deixar de sentir pena. Pena pelos seus corpos não serem tão poderosos, pela sua inteligência não ser comparável ou pelo seu poder não ser divino, como o dela. Quando absorveu os corpos mortos, percebeu que também era capaz de criar outros humanos, embora estes fossem mais apáticos que os normais, compensando com um poder muito superior.
Percebeu que era diferente; que, ao contrário dos outros da sua raça, era capaz de criar humanos do nada; que o seu poder lhe permitia não só controlar a raça Humana, como toda a natureza à sua volta ao absorver as Kekkei Genkai dos corpos por ela mortos. Não era Humana como aqueles seres inferiores...
Ficou conhecida como a assassina com mais sangue nas suas mãos. Muitos a descreveram como impiedosa e fria, mas ela sabia que matava por uma única razão: mais e mais poder. Precisava do ADN dos humanos para formar o seu próprio exército, completamente mercê à sua vontade, e com ele desafiar os próprios Deuses!
Katsu nem conseguia acreditar à medida que ia lendo o diário da sua antiga líder. Nunca imaginara que ela, outrora, fosse uma pessoa comum preocupada em salvar a vida de outras pessoas. Nem que, mais tarde, fosse considerada perigosa apenas por demonstrar um poder que apenas estava a ser usado para o bem dos outros! Conseguiu sentir pena pelo passado de Gaina, mas essa pena depressa desapareceu pelos milhares de mortos às mãos dela. No diário, ela nem revelava qualquer pena pelas mortes, achando-as apenas sacrifícios necessários para a reformulação de uma raça melhor e perfeita, uma raça que não a julgasse, mas a venerasse por ser quem realmente é (ou se considera ser): uma Deusa!
Na noite anterior à final do Exame Chuunin, que Katsu queria assistir para poder torcer pelo seu pupilo, decidiu ignorar o diário de Gaina (que embora revelasse muito sobre ela, não tinha muita informação útil sobre o seu verdadeiro poder e fraquezas, se estas existiam) e ler alguns dos relatórios que levou do laboratório. Após se deitar na cama e demorar algum tempo a aconchegar Sekima contra o seu corpo, que decidiu dormir com o seu pai sem razão aparente, desenrolou um dos pergaminhos. Colocou-se confortável para que o abraço apertado da sua filha não o perturbasse, piscando com os olhos até conseguir ler as letras rabiscadas no papel antigo...