Consequências da curiosidade

"Passou um ano desde a partida de Kazue. Devido à enorme perda que senti no coração, não fui capaz de continuar a trabalhar como era habitual. Tentei preencher o vazio com as crianças que surgiram após as descobertas feitas em Kazue, mas nenhuma delas era minimamente comparável em poder e presença. Percorri todo o País da Água à sua procura, usando todos os recursos à minha disposição para a conseguir encontrar, mas a pequena criança havia simplesmente desaparecido do mapa...
Pela primeira vez, senti-me como uma mãe humana que acabara de perder uma parte de si e era incapaz de a rever. Um desgosto tão enorme e indescritível que me roubava noites de sono... Não. Não uma mãe, mas uma Deusa que perdera a sua melhor criação! Não podia reconhecer-me como uma humana reles, caso contrário nunca conseguiria os meus objetivos.
No entanto, isto não é o meu diário, pelo que devo continuar com o meu relatório.
Durante o tempo em que Kazue andou perdida, recebi uma carta de Oogata Turo. Abria-a, esperançosa de finalmente ter informações sobre o maldito Kouseiki no Keiteki após quase uma década de espera. Era uma relatório sobre um artefacto, não o que eu mandei procurar infelizmente, que Turo achou interessante para a minha causa. Estava um pouco cética ao início, mas após ler sobre o assunto não pude deixar de demonstrar uma imensa curiosidade. O seu relatório falava sobre umas Placas das Almas, objetos perdidos com poderes bastante peculiares. Com o relatório, o Oogata enviou uma dessas aparente Placas que encontrara nas suas procuras pelo Chifre Dourado. Ele escrevera que a Placa em suas mãos não funcionava, mas que eu talvez era capaz de encontrar o seu verdadeiro propósito. Fiquei contente com o relatório, mesmo que não fosse o que Eu ansiava, e voltei a ponderar reviver o seu irmão para general do meu exército para o ataque aos Deuses Antigos como homenagem à tão apreciada dedicação.
A Placa das Almas é um objeto interessante e que, no entanto, não sei como utilizar. Tal como o nome sugere, não passa de uma pequena pedra retangular com runas ilegíveis numa língua bastante antiga e que não sou capaz de ler (o que também despertou a minha curiosidade, irei pesquisar mais sobre esta língua quando encontrar mais informações). As únicas invulgaridades na pedra seriam a sua cor acastanhada brilhante, que dava à Placa a imagem de ser um mineral bastante valioso e raro, e uns caracteres no topo de tamanho anormal e legíveis, se comparados com as restantes runas, a dizerem "Seijuku" (Maturidade). Achei a peça deveras única, mas não consegui encontrar-lhe muito mais utilidade além da sua estética. Mesmo assim, confiei no bom senso do meu subordinado e tentei alguns testes antes de desistir dela, mas não conseguia fazer nada até conseguir compreender as suas runas.
Como é habitual com a minha curiosidade e superior inteligência, não desisti de saber mais sobre o objeto. Foi mais fácil do que calculei encontrar livros que me falassem sobre esta língua antiga, uma arte extremamente poderosa e que teve de ser selada devido às suas inúmeras represálias. Por razões referentes aos critérios para a utilização da língua, não a posso explicar nem pronunciar o seu verdadeiro nome por escrito (reconheço que este meu cumprimento das regras da língua pode parecer tolo, mas uma arte que é até temida pelos Deuses Antigos merece o meu respeito), pelo que apenas vou relatar o que me for permitido. Aparentemente (uso a palavra "Aparentemente", pois ainda não fui capaz de testar este conhecimento), as Placas das Almas são catalisadores da energia desta língua que permitem controla-la moderadamente para ser usada sem consequências mortais; o que significa que mesmo se as Placas forem utilizadas corretamente, trarão sempre consequências nefastas para o seu utilizador. As Placas em concreto são especializadas em energia de selamento, que atualmente é conhecida pela sua versão inferior, Fuuinjutsu. A energia de selamento era capaz de selar qualquer coisa que um indivíduo pudesse imaginar, desde que esse indivíduo tivesse conhecimentos suficientes sobre a língua. De todas as energias existentes, esta era a mais poderosa e difícil de controlar, já que ninguém era capaz de usá-la corretamente sem morrer pelo processo ou sacrificar algo demasiado importante para si. Para remediarem este poder, criaram catalisadores, as Placas das Almas são apenas um tipo deles, para poderem usar as energias de selamento sem sofrerem grandes consequências. Contudo, os catalisadores apenas conseguiam prevenir os seus usuários da morte certa, não os conseguindo resguardar de todas as consequências possíveis (algumas descritas como "piores que o singelo término de uma vida"). As Placas das Almas, em concreto, são especializadas na energia de selamento de determinadas partes das personalidades das pessoas, que são identificadas pelos caracteres nos seus topos. A energia de selamento escrita nas Placas é incontrolável, o que significa que, ao utilizá-la, selará tanto a personalidade do alvo como a de quem a utilizou. Explicando por outras palavras, a Placa das Almas que agora possuo, a Seijuku, é capaz de selar a "Maturidade" de uma pessoa, selando também a minha, caso a use, retirando-nos toda e a possibilidade de alguma vez a recuperar por meios naturais ou outros. Embora tal poder seja incrível, utilizá-lo seria invalidar-me a uma forma irreversível que me impediria de continuar os meus sonhos. No entanto, acho que sou capaz de dar a volta a estas consequências nefastas se os planos que tenho em mente puderem funcionar. Isto será o tema que irei abordar no próximo relatório."

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O Akatsuki pousou o pergaminho sobre o seu peito quando terminou de o ler e suspirou profundamente. Sentia as suas pálpebras pesadas e bastante sonolentas. Mesmo cansado, não conseguia pensar em tudo o que Gaina escrevera. Nunca imaginara que a sua missão com Arami na busca das Placas das Almas tinha este propósito! Na altura, encarara a tarefa como um mero capricho da sua líder, mas agora... Será que Gaina conseguira descobrir uma maneira de usar as Placas sem "morrer" pelo processo? O Imagawa tinha medo da resposta, tal como tinha medo de ler o próximo relatório da sua líder. Cada vez que acabava de ler um dos seus pergaminhos, descobria mais e mais poderes da inimiga que, para o bem da sua sanidade, desejava não saber. Sentia-se tão pequeno à beira das potencialidades de Gaina!
Todavia, os pergaminhos também trouxeram esperanças, mesmo que pequenas: Kazue! Desconhecia completamente quem era (pois pouco foi escrito sobre ela tanto em outros relatórios como no diário) ou o que lhe havia acontecido após o que Gaina escrevera, mas, se existia, era um factor que poderia garantir a vitória! Katsu tinha de procurar descobrir mais sobre esta Kazue e da "língua antiga" que era "uma arte que é até temida pelos Deuses". Estava esperançoso de ter encontrado nestes dois factores as fraquezas necessárias para finalmente derrotar a tão poderosa Moremane!
Bocejou.
Era demasiado tarde para continuar a pensar neste assunto. A sua inimiga apenas atacará aquando o Torneio dos Deuses, o que dá dois meses a Katsu para arranjar armas suficientes para ter sequer a ideia de a poder derrotar. Não estava muito confiante, mas sabia que a pressão das faltas de opções lhe dariam determinação suficiente.
Voltou a bocejar.
Reparou que tinha a mão pousada entre os cabelos grisalhos da sua filha, que dormia serenamente sobre a sua barriga abraçada fortemente ao que podia. Ouvia-se a sua respiração leve e ritmada e o Imagawa podia sentir as batidas do pequeno coração contra a sua perna. Sorriu e percebeu o quão gostava daquela pequena, por muito que não fosse verdadeiramente sua. Esticou a cabeça, na tentativa de a beijar...
Os ouvidos vibraram-lhe intensamente ante a ensurdecedora explosão e reparou na pequena Sekima a acordar assustada. Depois, sentiu-se no meio do ar, impulsionado por uma força invisível, a abraçar-se à sua filha na tentativa de a proteger do que quer que fosse que os havia atingido. Embateu de costas contra a parede frente à cama e grunhiu de dor, mas nunca refreando o aperto na criança. Arfou pesadamente pela falta de ar que acompanhou o embate nas costelas e piscou os olhos vezes suficientes até conseguir distinguir o que acontecia ao seu redor. A cama, na qual ainda há pouco estavam deitados, já não existia, muito menos a parede, cómoda, tapete, chão ou tecto. Havia ali um enorme buraco em chamas, como se um gigante tivesse abocanhado aquela parte do hotel, do qual esvoaçaram inúmeras flores. Katsu apenas as achou inofensivas até estas incendiarem.
As explosões que seguiram a primeira foram muito mais sonoras e devastadoras. Por causa delas, os alicerces do hotel não aguentaram o peso e vieram a baixo, trazendo consigo tudo o que suportavam, desde materiais a pessoas que nem conseguiam imaginar o que estava a atacar a sua segurança. Ouviam-se gritos de pânico e dor misturados com pedidos de ajuda. Os transeuntes que estavam a passar ao lado do hotel na hora da sua explosão eram aqueles que, ao invés de tentarem salvar os feridos, corriam como desalmados pelas ruas fora, gritando de pavor e tentando afastar-se o máximo possível de toda aquela confusão. Um grupo de indivíduos mais corajosos, poucos infelizmente, aproximaram-se dos escombros do hotel com cautela, não fosse explodir novamente. Quando, aparentemente, as explosões haviam cessado, correram com toda a coragem e energia bombeadas pelos seus espíritos e tentaram salvar o máximo de pessoas que, por sorte ou não, sobreviveram às explosões.

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Tossindo roucamente, Katsu abriu os olhos, mas apenas viu escuridão à sua volta. À medida que tentava controlar a tosse que derivava da respiração de tanta poeira, apalpou algo macio e fino, o que parecia ser um braço. Um gemido feminino e infantil levou-o a sorrir de felicidade e esperança, puxando o braço para si até ter Sekima novamente nos seus braços. A criança não chorava, mas notava-se que estava em pânico pela sua respiração acelerada e constante tremer do pequeno corpo.
- Têm calma, pequena. O papi tira-nos daqui! - Falou com determinação, afagando os cabelos secos da criança até sentir que a sua respiração amainava gradualmente. Voltou a apalpar à sua volta e comprovou que estavam encostados a uma superfície lisa e fria, semelhante a uma rocha. Afastou as mãos tanto da aparente rocha como do abraço da sua filha para poder realizar alguns selos - Katon: Onidōrō!
Quatro pequenas lanternas demoníacas surgiram em torno dos dois Imagawa, sendo controladas minuciosamente para que não atingissem nenhum dos humanos devido ao curto espaço em que estavam presos. Com a luminosidade, Katsu percebeu que estavam entre dois pedaços de pedra de duas paredes, que se separaram aquando as explosões, que os haviam protegido de uma enorme pedra que não os esmagou por não conseguir passar entre elas. Suspirou de alívio, abençoando a sua sorte, e murmurou algumas palavras a Sekima. Embora ainda a tremer, a pequena largou com alguma cautela, olhando à sua volta, agora a sua habitual curiosidade a sobrepor-se ao medo.
Estavam sentados, encostados contra uma das paredes, e não tinham quase qualquer espaço para se movimentarem devido à interminável pilha de escombros nos seus flancos que colapsaram por causa da explosão. As paredes que aguentavam o peso não pareciam fraquejar um centímetro que fosse contra a enorme pedra, mas o Akatsuki tinha absoluta certeza que não poderia contar com elas para sempre. Movimentou todo o seu corpo e pôde comprovar que, para além de alguns arranhões e dores mínimas, não tinha partido nada.
- Como é que estás, pequena?
- Bem... papi. - Respondeu com alguma relutância, afastando-se dele a gatinhar e aproximando-se de uma fenda que havia entre o que parecia ser o resto de um lavabo e uns pedaços de madeira cortados - Vamos conseguir sair?
- Claro, claro... - O Imagawa transmitiu confiança, pois bastava um simples Kamui para poderem sair dali. O que despertava mais a sua curiosidade era saber o que acontecera. Não obstante, a sua maior preocupação era a segurança de Sekima.