A elite de Gaina, parte 1

Um silêncio quase sepulcral, apenas interrompido pelos ocasionais gemidos das pessoas que haviam sobrevivido ao colapso, instalou-se entre os escombros. Pequenas gotas de sangue deslizavam pelas colunas de madeira destruídas nos andares acima de Katsu, juntando-se numa poça de considerável tamanho a poucos centímetros dele. Afastou-se com certa repugnância, sobressaltando-se imediatamente quando ouviu o gemido agudo de Sekima.
- Sekima! O que foi?! - Rosnou em reflexo, mudando a sua posição com algum desconforto, considerando o espaço apertado em que estava, e gatinhando apressadamente para perto da sua pequena. Ela também estava de quatro, permanecendo estática a olhar para algo que ele não conseguia descobrir o que era.
A rapariga voltou a gemer em agonia, fazendo com que o seu pai apenas se apressasse. Quando chegou perto, seguiu o olhar dela e viu, entre algumas pedras, uma pessoa que fora esmagada pelo colapso. Apenas se lhe via a cara, mas era o necessário: os olhos esbugalhados e recheados de sangue, desejosos de saírem das suas órbitas; os dentes espalhados à frente da boca, como se tivessem sido todos arrancados num único golpe; e a pele completamente desfigurada, rasgada em alguns lados e exageradamente esticada nos outros. A pequena voltou a gritar, levando Katsu a puxá-la contra si e abraçá-la com força, num desejo de a proteger de algo que ainda era demasiado nova para testemunhar. Ela soluçava compulsivamente e o ténue som do seu choramingar invadia os ouvidos do Akatsuki com uma intensidade que apenas o colocava mais nervoso... E furioso com o responsável daquilo tudo.
Não precisavam de ficar mais tempo que o necessário, pelo que ativou o seu Sharingan e depressa criou um vórtice que sugou os seus corpos para o seu interior. Esse mesmo vórtice reapareceu de seguida a alguns metros de distância do hotel desabado, expelindo para a calçada o furioso pai ajoelhado com a chorosa filha aos seus braços. Podia ter salvo muitas pessoas com recurso ao Kamui, sabia disso, mas a segurança da sua filha pesava-lhe demasiado no coração para sequer pensar nos outros.
À sua volta, uma multidão enorme circundava o acidente, na qual se distinguiam as pessoas que realmente tentavam ajudar os que sobreviveram ao colapso, que gritavam furiosamente umas às outras ordens curtas e impropérios inofensivos, e as que se limitaram a ficar quietas, observando e comentando ocasionalmente sobre o tema. Foram estas últimas pessoas que ficaram a olhar, estupefactas, para a súbita aparição dos dois Imagawa. Ninguém disse uma única palavra, aparte dos ocupados a salvar os sobreviventes que ao perceberem que Katsu e Sekima não estavam gravemente feridos lhes deixaram de prestar qualquer atenção, ao verem o sangue que escorria pelo longo cabelo do adulto e o incessante choro da criança. Todos deram um passo atrás de receio quando um Sharingan furioso os encontrou e ninguém ousou mexer-se enquanto eram observados.
Katsu procurou afincadamente entre a multidão um possível culpado, mas o seu Sharingan não detetou qualquer sistema de chakra entre aqueles cidadãos inocentes. Roncou de fúria e olhou para trás de si, para os múltiplos incêndios gerados pelas explosões que consumiam os escombros do que outrora fora o hotel. Os habitantes corriam de um lado para o outro, ocupando-se com diversas tarefas entre apagar os incêndios e remover as pessoas soterradas debaixo das incontáveis pedras e alicerces de madeira. Também nelas não viu qualquer tipo de ninja.
- As explosões podem ter sido causadas por um cidadão entre a multidão. Um deles pode não gostar de ter um Akatsuki na sua terra e decidiu expulsá-lo. Mas não acredito que ele fosse sacrificar um hotel cheio de outras pessoas inocentes para isso. - Ponderou, afagando os cabelos grisalhos da sua filha à medida que o choro e susto dela se iam acalmando - Além disso, vi as origens das explosões: flores. Fui claramente atacado por Ninjutsu. Mas de quem?!
Continuou a perscrutar os arredores, mas não conseguia encontrar ninguém capaz de usufruir minimamente de chakra. Até que um vulto caminhou calmamente para a frente do hotel, cobrindo a sua imagem com as labaredas que atrás dele ardiam tão intensamente. Os dentes do Imagawa rangeram de fúria ao detetar nessa sombra chakra. Quando o vulto começou a caminhar na sua direção, Katsu sussurrou algumas palavras ao ouvido de Sekima, que relutantemente se separou dele e se afastou para trás das suas costas com alguns passos, e ergueu-se, tentando distinguir a face da figura que era sombreada pelos enormes incêndios. Não se movimentou uma única vez para a frente e viu que o vulto parou a uma distância de segurança de si, fitando-o inexpressivamente. Era uma mulher de cabelos e olhos castanhos, algo morena e com a pele facial invulgarmente seca. Cobria-se com um longo manto negro que não deixava revelar mais nenhum traço da sua fisionomia. O Imagawa nunca a vira antes, mas ela parecia-o conhecer tão bem...
- Foste tu que me atacaste? - Perguntou, tentando conter a raiva na sua voz. Não pensava em deixar escapar a responsável pelas explosões impune, mas também não queria que a fúria ditasse as suas ações. O que não era fácil, considerando que o choro de Sekima ainda ecoava nos seus ouvidos.
- Estava consciente que eras suficientemente capaz de escapar às explosões, mas subestimei-te ao julgar que não serias escapar de salvar a tua filha. Realmente, esta será das missões mais complicadas de se cumprir. - Respondeu a mulher com uma frieza imensa, olhando com certo desdém para Katsu e para Sekima, que limpava as lágrimas da cara com as suas roupas.
Quando Katsu quis responder, ou proferir um nome de uma técnica para matar aquela mulher insolente imediatamente, calou-se ao notar o padrão de nuvens vermelhas no manto dela. Ele reconhecia-o perfeitamente como o símbolo da sua organização, Akatsuki. Então...
A mulher sorriu quando reparou que o seu alvo percebera tudo. O olhar incrédulo de Katsu fitou-a, reparando que a pele da cara dela começou a derreter rapidamente, escorrendo pelos ossos do crânio como se não passasse de gosma. À medida que aquela máscara ia desaparecendo, a verdadeira face da mulher apareceu. Cabelo ruivo, olhos verdes inexpressivos e a pele sarapintada de sardas: Sasami.
- Mas o que...! - Rosnou Katsu, retirando imediatamente a Gunbai das suas costas e apontando a sua lâmina ao corpo da Akatsuki - O que caralho estás a fazer?!
- Achas necessário perguntar? É simples. A cumprir ordens: eliminar o Imagawa antes que saiba o que não deve saber. - Respondeu Sasami com a sua habitual indiferença, embora no seu olhar se notasse alguma emoção quando encontrava Sekima. - Não te preocupes, não me ordenaram torturar-te, apenas eliminar.
Não foi preciso pensar muito sobre o assunto. Sasami apenas recebia ordens de Gaina, pelo que era claro que fora a líder a ordenar o assassinato. Todavia, a Moremane deixara claro que ela e Katsu apenas se enfrentariam no Torneio dos Deuses. Então, qual era o verdadeiro significado daquilo?
- Sasami, as promessas que a Gaina no fez são mentira! O mundo que ela tenciona criar não é feito para nós! Não passamos de ratos de laboratório para aquela mulher que apenas se preocupa consigo mesma! Ajud-
- Já chega, Imagawa. Eu estou perfeitamente consciente dos desejos de Gaina e é por eles que estou a lutar. Economiza a tua energia para tentares sobreviver ao invés de tentares convencer-me. - Retorquiu a mulher com frieza, deixando cair os braços que ficaram pendentes ao lado da anca.
- Isso é impossível! Nenhum humano no seu perfeito juízo defenderia os ideais da Gaina! - Insistiu Katsu, tentando ignorar o amontoado de chakra que se dissipava do corpo da sua companheira de organização. Sabia que Sasami não era a pessoa ideal como aliada por ser traiçoeira e bastante fria, mas o facto de a poder convencer a rebelar-se contra Gaina significaria mais uma força ao seu lado e menos uma com a inimiga. Tentaria a todos os custos convencer Sasami a ajudá-lo, depois preocupar-se-ia em controlar a imprevisibilidade da mulher.
Sasami começou a rir-se profundamente com acanhada diversão, mas não conseguiu controlar-se e acabou por soltar uma sonora gargalhada. Katsu fitou-a, incrédulo, e nenhum dos dois reparou que a multidão à volta deles os observava com bastante interesse, como se tivessem a assistir a uma incrível atuação de dois atores. Quando a ruiva parou de gargalhar, sorriu sarcasticamente.
- Eu nunca disse que era humana, pois não, Imagawa? - O Imagawa olhou-a confuso. E essa confusão depressa se transformou em iluminação - Acho que já percebeste, não é? Tenho de te matar para que não saibas ainda mais sobre nós e a nossa mãe. Encontrares aqueles pergaminhos não estava nos planos de Gaina-sama.
- Mas, então... O Arami também...?
A ruiva limitou-se a acenar afirmativamente com a cabeça, recuperando a sua expressão fria e de desdém.
O Imagawa não queria acreditar no que lhe ia pela cabeça. Parecia-lhe fazer sentido, considerando o que Sasami havia dito, mas mesmo assim algo dentro de si queria obrigá-lo a não acreditar nas palavras dela. Era demasiado para ele...
- Então tu não és uma orfã de Otogakure, que perdeu o irmão por causa das experiências de um louco qualquer? E Arami não é um sobrevivente da invasão da sua antiga vila, Iwagakure?
- Isso são as histórias que a nossa mãe inventou para nos dar mais credibilidade como humanos. Ela é mesmo um génio, pois até tu, Imagawa, pensaste que eu e Arami éramos um dos teus...
- Mas eu e o Arami fizemos missões juntos! Ele nunca me disse nada e eu não reparei em nada de diferente nele!
- Fomos criados à vossa imagem, Imagawa. Eu e Arami somos os melhores entre os filhos de Gaina, os únicos que podiam disfarçar-se como humanos e viver como eles. - Explicou a mulher, desviando a cabeça para fitar intensamente Sekima, que se acobardou perante o olhar tão intimador e intenso. Aparentemente satisfeita por ver a criança retrair-se, devolveu o olhar a Katsu - Tu ias descobrir isso eventualmente, caso continuasses a ler. Somos as crianças desenvolvidas à imagem de Kazue, a nossa irmã mais velha. Infelizmente, nenhum de nós "nasceu" com o Jintai Soujuu, ao contrário daquela traidora que nem o merecia, mas compensamos com habilidades muito superiores às de qualquer humano normal!
Katsu suspirou. Embora a informação que Sasami transmitia sobre si e Arami fosse surpreendente, não o incomodava particularmente, por nunca se ter dado especialmente bem com eles. Não passavam de colegas de missão, que outrora lutaram pelos mesmos objetivos, mas que atualmente se vêem obrigados a lutar entre si. Estava desapontado por não poder ver mais Arami e Sasami como dois aliados e que, muito provavelmente, os teria de matar. Apertou firmemente o cabo do seu leque, consciencializando-se de que teria de lutar contra a sua antiga parceira de organização, pela sua sobrevivência e a de Sekima, pelos seus ideais e pelo prazer de, ao matar Sasami, poder afetar, o mínimo que fosse, as forças de Gaina.
- Se eu já derrotei o Arami, derrotar-te não será muito mais difícil. - Ripostou, deixando que chakra também emanasse pelo seu corpo enquanto escolhia que Jutsu usaria contra aquela oponente. Sabia que ela era forte graças ao Kinjutsu Shiki Tensei, que lhe dava diversas afinidades elementais (o menor dos problemas para Katsu) e mais vidas que um humano comum. Todavia, tinha de ter em atenção que ela podia ter mais habilidades por revelar. Não era alguém que pudesse subestimar.
- Eu sou a segunda filha mais forte de Gaina, Imagawa. Amaldiçoa o momento em que fui designada como a tua carrasca!
Ergueu as mangas do seu manto de Akatsuki e do interior projetou incontáveis pétalas, que flutuaram pelo ar e inundaram o cenário à volta de Katsu. Preso entre tantas pétalas, ele apenas via as diversas cores da mesmas e o intenso cheiro que emanavam. Sabia que era perigoso estar ali e que bastava um gesto de braços para lançar uma rajada de vento forte o suficiente para as afastar. Contudo, algo o impelia a não fazer isso. Uma sensação invulgar de bem-estar inundava o seu corpo, acompanhando o aroma emanado pelo Genjutsu de Sasami.