Era noite cerrada à frente do hotel em chamas em Cha no Kuni. A brilhante luz da Lua escondia-se timidamente por detrás do grosso manto de fumo que se originava das chamas das explosões, chamas estas que eram desesperadamente extintas com o árduo esforço de múltiplas filas de pessoas a passarem pequenos baldes de água entre si. Os restantes voluntários que não tinham espaço para ajudarem com o incêndio encarregaram-se de salvarem aqueles que conseguiram sobreviver ao desastre, inteiros ou não, e de reaverem os corpos dos que, infelizmente, não o conseguiram. Afastados de tamanha onda de solidariedade, dois vultos encaravam-se. Uma, a responsável pela explosão, o outro, o seu alvo. Encaravam-se como nunca antes o tinham feito, como nunca antes o gostariam de ter feito. O ambiente de tensão crescia tão progressivamente entre eles que a multidão que os assistia, com um misto de curiosidade e apreensão, se afastava a passo lento, cientes que não seriam poupados caso embaraçassem em qualquer um movimento dos ninjas. Afastada dessa tensão, ofegante e quase morta, uma criança de cabelos grisalhos ia tossicando, tentando com toda a sua determinação agarrar-se aos seus últimos resquícios de vida. A sua visão tremia e lentamente ia ficando embaciada, quase opaca. Todo o seu corpo estava hirto, sem energia, e sentia-se incapaz de levantar-se ou mover-se da posição pouco confortável em que estava. Sentia dores intensas no peito, no qual a pele lhe ardia dolorosamente como se chamas ali ainda a consumissem, e na cabeça, pela qual sangue escorria face e pescoço abaixo, mas mesmo assim isso não a incomodava. Mesmo quase morta, a sua preocupação continuava a ser outra que não a sua sobrevivência. Num bafo de esforço e dor, conseguiu contorcer o corpo de forma a virar a cabeça para trás e, na sua visão fraca, apenas viu um vulto de cabelos longos e com isso ficou satisfeita, a ponto de soltar um sorriso fraco.
Katsu desconhecia o estado da sua pequena, e isso preocupava-o, mas não se podia dar ao luxo de se distrair. Encarava ferozmente a sua oponente como há muito não o havia feito com qualquer outro inimigo. Por norma pacífico, poucas eram as atitudes e atos que conseguiam colocá-lo tão sério e firme como estava no momento, com todos os músculos retesados e sem um pingo de hesitação preparados para esmagarem cada pedaço de vida da sua adversária. A traição de Gaina, as mentiras de Sekima, ou Kazue, ou lá como se chamasse, o envolvimento de pessoas inocentes, a sua pequena quase morta duas vezes….
- Karyū Endan… - Vociferou o Imagawa, as suas mãos movendo-se tão rapidamente que parecia fazer uma sequência de selos num único segundo. Da sua boca projetou-se um veloz e intenso fluxo de chamas que, tanto devido à sua natural velocidade como à rapidez em que Katsu fez o Ninjutsu, aparentava ser morte certa a qualquer desafortunado que se visse como alvo. Todavia, Sasami parecia imune às impressionantes capacidades elementais do seu adversário. Num sorriso sarcástico, limitou-se a colocar o antebraço direito à sua frente e lambeu os beiços lascivamente na direção de Katsu. Inesperadamente, do seu antebraço projetou-se uma segunda Sasami, como se de um Bunshin se tratasse, que realizou uns selos rápida o suficiente para conseguir cuspir à sua frente uma extensa barreira de água. O impacto entre os dois Ninjutsus foi previsível, sendo o Katon completamente extinguido sem sequer conseguir afetar minimamente a barreira de água, deixando para trás um pequena nuvem de vapor que cobriu a posição de Sasami. Por momentos, Katsu não quis acreditar no que vira antes do embate elemental, achando aquilo demasiado bizarro, pelo que tentou atacar novamente – Shinkūha! – E uma lâmina de vento velozmente se propulsionou, atingindo a barreira com fragor e projetando para trás de si água, vapor e as chamas do Katon que ainda não haviam sofrido o seu destino. A barreira de água destroçou-se facilmente e a lâmina de vento estava agora demasiado perto de Sasami para que esta conseguisse defender-se propriamente. O Imagawa já tinha a vitória como garantida, mas o sorriso sarcástico na face da sua inimiga não se desvanecera um único centímetro. Das suas costas expeliu-se uma terceira Sasami, que tal como a segunda era fielmente idêntica à original, que também ela realizou alguns selos e expeliu à sua frente uma chama de tamanhos consideráveis que depressa tomou a forma de uma aranha. Aranha de fogo impeliu-se sem receio contra a lâmina de vento e consumiu-a como se nada fosse, ganhando com isso considerável tamanho e poder. Sem nenhum obstáculo que a impedisse, a aranha seguiu em frente, tendo Katsu em vista como a sua presa seguinte. Ainda surpreso, incapaz de perceber o que raios estava a acontecer no corpo de Sasami, o Imagawa não se deixou ser devorado pelo insecto. Movimentando freneticamente os braços ao redor do seu corpo, criou um feixe de água afiadíssimo que cortou a aranha em duas sem o mínimo de esforço, deixando as suas cinzas se mesclarem com o vento do local e se perderem com as restantes cinzas dos incêndios. Surgiu um intervalo entre a pequena disputa elemental dos dois contendentes. Intervalo esse que foi aproveitado para que Katsu olhasse com a devida atenção para o corpo de Sasami e as suas... bizarras deformações.
- Eu disse… que não ia… brincar mais… Imagawa… - A sua voz saía rouca e a custo, como se as outras duas Sasami a saírem-lhe do corpo estivessem a causar-lhe uma intensa dor. As suas costas arquearam aquando a aparição da terceira Sasami para uma posição demasiado desconfortável para sequer ser considerada saudável ou propícia para uma luta, mas isso não pareceu demolir a determinação da subordinada de Gaina – Agora… acabamos aqui. – Tendo isso dito, soltou um urro de pura dor e as suas costas arquearam-se ainda mais do que já estavam, numa posição tão dobrada e grotesca que ultrapassara há muito os limites humanos. Delas brotou uma quarta Sasami, tão naturalmente quanto as outras ao não envolver sangue ou qualquer outro fluído corporal que se era de esperar com o processo, que se postou ao lado da terceira, cada uma na respetiva omoplata, e lá ficaram, quietas como se não passassem de bonecas de trapos. Não acabando, Sasami gritou mais uma vez em completa agonia e desta vez foi o seu braço livre a arquear para posições inumanas e que, em situações normais, estaria partido para lá do irreversível. E desse braço surgiu a quinta Sasami (aparentemente a última pois os gritos de agonia cessaram imediatamente) também esta igual a todas as outras. A original ajoelhou-se no solo, completamente exausta e sem uma única parte do corpo livre do seu suor, ensopando tanto os cabelos que quando estes penderam para a frente da sua cara colaram-se à testa e lá ficaram, contribuindo para o ar miserável com que Sasami ficara após seja lá o que havia acontecido com o seu corpo. Embora exausta, teve força o suficiente para virar a cabeça em frente e soltar um semblante de desafio ao seu inimigo. Notou-se claramente que tentava falar, pois os lábios mexiam-se e nenhum som saía, mas tal era-lhe impossível devido ao esforço tremendo a que já estava obrigar ao seu corpo. Não parecia minimamente preparada para o poder que queria tanto usar, mas isso não a fazia hesitar um segundo. O seu olhar transmitia completamente a sua filosofia para com os seus objetivos: morreria se isso fosse necessário para os completar.
Katsu apenas estava aterrorizado com o que vira. Ativou o Sharingan para certificar-se se aqueles corpos não passavam de Bunshins ou até de um Genjutsu para o enganar, mas tal não se comprovou. Acreditasse ou não, aqueles corpos eram humanos, eram outras Sasami, como se fossem realmente clones, não feitos de chakra… Cedo percebeu que aquilo era obra de Gaina e uma ligeira torrente de fúria circulou pelo seu corpo. A dor que Sasami sentiu para usar aquilo, e que se notava ainda estar a sentir… Era isto que Gaina desejava aos seus subordinados? Os seus alegados filhos? Não conseguiu deixar de sentir alguma pena de Sasami. Se já antes ela não era humana, devido às suas origens, então agora estava ainda mais distante de o ser. As outras Sasami que surgiram do seu corpo pareciam mais mortas que vivas. Os seus olhos, abertos e a fitarem o chão sem se moverem, estavam completamente desnutridos de vida. O restante corpo estava meramente pendente para a frente, que nem marionetas que necessitam dos seus controladores para lhes darem propósito. E a Sasami original estava debruçada no solo de quatro, exausta mas ainda forte o suficiente para conseguir suster os pesos dos corpos feitos à sua imagem. O Imagawa não conseguia acreditar que ela seria capaz de continuar a luta no estado de agonizante esforço em que se encontrava, mas mesmo assim preparou-se para o pior, não desejando continuar a ser apanhado de surpresa.
Quando Sasami se contorceu, preparando a sua pesada mistura de corpos para se movimentar, Katsu percebeu que ela iria atacar. Saltou para cima do seu adversário, a uma velocidade drasticamente reduzida mas ainda surpreendente considerando o peso em cima de si, e à volta dos seus braços foram surgindo múltiplas flores cujas pétalas se iam afiando até se compararem a aço. As restantes quatro Sasami fizeram os mais variados selos dessincronizadas, preparando-se para soltarem os seus Jutsus sem esperarem pelas outras, numa falta de cooperação esperada por seres mortos. Antes que o Imagawa se percebesse, estava subjugado por um vendaval de pétalas afiadas como shurikens, feixes de eletricidade, jatos de água, torrentes de chamas e lâminas de vento, que criaram à sua volta um autêntico caos de cortes, queimaduras e nódoas negras, colocando-o com sangramentos e hematomas nos mais diversos locais e de joelhos no solo, ofegante. À sua frente, uma barreira de água ia lentamente se desfazendo, a responsável pela sobrevivência do elementalista embora ainda assim fora incapaz de o resguardar de todos os danos. Embora consideravelmente capaz nas artes do Ninjutsu elemental, nem ele conseguia bloquear tantos ataques simultâneos e vindos de diversas direções. Tentou erguer-se, mas as forças falharam-lhe momentaneamente e apercebeu-se que o seu corpo ainda precisava de uns momentos para se recuperar. Momentos estes que Sasami não estava a disposta a dar-lhe, pois ainda estava a meio do seu salto e prestes a aterrar em cima de Katsu. Este notou a iminente chegada da inimiga, mas nada podia fazer, preparando-se apenas para o embate.
O impacto entre a coletânea de corpos foi intenso e estrondoso, criando uma pequena cratera à sua volta que formou uma ténue nuvem de poeira. Enquanto esta se ia atenuando, surgiram os corpos de Sasami por cima de Katsu, as nos braços a agarrarem-no pelos pulsos e as outras nas costas a esticarem-se para o segurarem afincadamente nas pernas. De uma forma ou outra o Imagawa conseguiu sobreviver ao impacto, não saindo ileso já que todo o seu corpo rugia de dores, mas o que se seguiu não era muito melhor. Estava completamente neutralizado e por mais que se estrebuchasse em procura da liberdade esta simplesmente parecia não vir em seu caminho. As quatro Sasami seguravam-no com tanta força e frieza que nem parecia ser-lhes possível, deixando a original, provavelmente sem qualquer força para o segurar por ela própria, por cima dele. De tão perto que estava, Katsu teve a oportunidade de perceber ainda melhor o quão desgastada estava: olheiras demasiado acentuadas para quem ainda há pouco nem as tinha, suor em todos os poros da cara, lábios gretados e os olhos semicerrados em contínuo esforço para se manterem abertos. E ainda assim, no meio de tanta agonia, Sasami sorria sarcasticamente e o seu olhar, mesmo que semicerrado, transmitia toda a sua vontade assassina. Aproximou a sua boca seca lentamente à de Katsu, lambendo os beiços mais uma vez de forma lasciva, as suas intenções mais claras que a água.
- Um beijo e tudo acaba…

CONTINUA...