Treino 1 - Suavidade, Fluidez, Pressão

-O que sabes sobre Taijutsu?
Yuu olhou silenciosamente para o seu pai, logo depois de ouvir a pergunta dele. Após o pequeno-almoço Yuu havia saído de casa quase de imediato, e mal fechou a porta de entrada atrás de si deparou-se com o seu pai, que a esperava numa posição rígida e séria junto da cerca que rodeava o terreno onde se encontrava a sua casa: e ver o seu pai com tanta seriedade estampada no rosto era algo que a jovem kunoichi não estava acostumada a ver.
-Muito pouco. - Admitiu a jovem, enquanto continuava a seguir o seu pai com passadas certas e ritmadas.
Hyun não proferiu qualquer tipo de palavra nem produziu qualquer tipo de som: limitou-se a um simples aceno, de modo a indicar à jovem que havia escutado a sua resposta. Seria bom se ela conseguisse sobreviver ao que se seguia.
Pai e filha ainda caminharam durante algum tempo, tempo esse em que Yuu se perguntava para que local estaria Hyun a levá-la. Não se atreveu a expressar a sua dúvida em voz alta, pois receava que isso fosse desagradar ao pai. Tendo em conta o quão calado e carrancudo ele estava de momento, não se admirava nada que ele acabasse por a magoar caso ela se atrevesse a enveredar por uma acção imprevisível ou brusca.
Quando Yuu menos esperava o seu pai deteve-se. Olhou em volta por breves instantes, observando o local onde se encontravam. Parecia que haviam andado bastante, já que não se conseguiam avistar quaisquer edifícios.
-Não te vou mentir Yuu, a tua situação não é boa.
-Estás a falar de…? - A voz de Yuu soou confusa perante a réplica do pai.
-Tendo em conta a tua altura e peso diminutos, é óbvio que terás problemas em combate caso o teu oponente avance com ataques corpo-a-corpo. - Continuou Hyun, falando como se não tivesse escutado o que a filha acabara de dizer. - Caso o teu oponente seja mais alto ou mais pesado que tu, o problema agrava-se mais ainda.
-Poderei simplesmente contra-atacar com ninjutsu. Não há problema.
-Tola. - Gozou o pai, ainda com a mesma expressão mortalmente séria. - Nem sempre um combate correrá segundo as tuas vontades, terás de te adaptar ao teu adversário. Quer queiras quer não, irão existir muitas alturas em que não poderás anular o taijutsu do teu oponente com ninjutsu, porque simplesmente não irá resultar. Calculo que Yashu-sama te tenha ensinado estas coisas, certo?
Yuu abriu a boca para replicar, mas não conseguiu articular qualquer palavra. Cerrou os lábios firmemente e respondeu ao pai com um desajeitado aceno afirmativo. Apesar dos anos que já a separavam da morte dele, a simples menção do nome do seu avô continuava a entristece-la. Calculou que não seria apropriado manter-se imersa naquele estado de nostalgia, e com um ligeiro abanão despertou-se de volta para a realidade.
-Existe algo que eu possa fazer para compensar isso?
-Claro que sim. - Respondeu-lhe Hyun de imediato, mantendo-se praticamente imutável. - Tudo o que tens de fazer é usar as vantagens do teu oponente contra ele próprio. É vital que te esforces para manter os confrontos curtos e que uses o menor número de ataques possível. Se fizeres isso poderás equilibrar a balança para o teu lado.
-Ok. - Yuu anuiu levemente, enquanto novas questões começavam a formar-se na sua cabeça. - E como faço isso?
-Digo-te depois.
-Depois de quê?
Hyun esboçou uma espécie de sorriso matreiro, enquanto Yuu o fixava de modo inquiridor. Depois do quê? Não demorou muito até Yuu se aperceber daquilo que as palavras do pai lhe haviam ocultado.
Antes que ela pudesse sequer perguntar-lhe o que iriam fazer, já ele a havia atirado para trás. Apenas lhe havia dado um leve toque na zona superior do tórax, mas Yuu, que para além de ter sido apanhada de surpresa não era propriamente um peso pesado, caiu pesadamente no solo e sentiu-se arrastar por entre algumas folhas secas por alguns metros. Lançou um olhar chocado ao seu pai enquanto este se endireitava, enquanto sentia uma leve tontura. Em que raio estaria o pai a pensar?
-Preciso de saber a que nível estás antes de te ensinar seja o que for. - Respondeu-lhe ele, antes ainda que ela pudesse esboçar a pergunta. - Não te preocupes com a tua força actual, tenta bloquear-me e contra-atacar como poderes.
Yuu levantou-se a custo, sentindo as pernas tremerem-lhe. Sabia bem que o seu pai não era como o avô: não estaria preocupado com a segurança dela nem se esforçaria por ser dócil e atencioso. Ao pensar no enorme fosse que existia entre o poder dele e o seu, não podia evitar sentir-se receosa. Conhecendo o seu pai como o conhecia, sabia que ele poderia cortá-la em pedaços num abrir e fechar de olhos. Literalmente. Apenas não sabia se ele estaria disposto a fazê-lo ou não…
Quando Hyun arremessou o seu segundo ataque Yuu já estava de pé, bem firme e preparada para levar mais uma sapatada. Tentou atingi-la com a parte lateral interior da sua mão direita, mas Yuu conseguiu bloqueá-lo com o seu braço. Teve de espremer os olhos assim que o ataque do seu pai a atingiu: a dor que aquele mísero golpe lhe provocara era imensa, e estava longe daquilo que Yuu esperara.
No momento imediatamente a seguir, e sem que Yuu desse por isso, Hyun agarrou-lhe um dos braços e torceu-o, de modo a conseguir bloqueá-lo atrás das costas da sua filha. Yuu tentou libertar-se, mas em vão. Não fazia ideia daquilo que o seu pai estava a fazer: mas fosse o que fosse causava-lhe uma dor insuportável, e Yuu não conseguiu impedir o lamento de dor que rasgou os seus lábios.
-Já te estás a queixar? Parece que Yashu-sama não te ensinou tão bem quanto eu esperava. - Com um sopro indignado Hyun finalmente libertou a sua filha, soltando-lhe o braço e dando-lhe um leve empurrão. Tal fez com que a jovem e inexperiente kunoichi voltasse a cair ao chão. - Tens de conseguir melhor que isso. Deixa-te de lamurias e ataca-me.
Yuu voltou a levantar-se, lutando por controlar a sua respiração. Começava a ficar simultaneamente frustrada e irritada. Estava ciente da diferença de capacidades entre ela própria e o seu pai, era certo: mas tal não tornava mais fácil de aceitar o facto de nem sequer conseguir fazê-lo pestanejar. A jovem endireitou-se, bufando enquanto observava a figura esguia do seu pai. Ele nem sequer se preocupara em assumir uma posição de ataque: limitava-se a ficar ali, direito como uma estaca profundamente fincada no solo.
Decidindo-se a acatar a ordem do seu pai, Yuu ergueu-se tentando parecer determinada e tentou pensar em como o deveria atacar. Não estava com disposição para pensar, e de momento tudo o que queria era acabar com aquele pseudo-confronto. Sentindo a sua paciência esgotar-se, Yuu decidiu-se a realizar um ataque directo e bastante óbvio. Provavelmente apenas iria resultar em mais uma lesão para si, mas não se poderia importar menos com isso.
Assim que já se encontrava relativamente próxima de Hyun deixou os seus movimentos mais óbvios ainda. Não seria necessário o seu pai ser um génio para perceber que Yuu tencionava atingir-lhe o rosto, ou uma área próxima…
Yuu esperara que o seu pai lhe bloqueasse o ataque, mas em vez disso ele curvou-se, como se o seu objectivo fosse bater-lhe com a cabeça no estômago. Yuu cerrou os olhos, preparando-se para sentir o crânio do pai esmagar-se contra o seu estômago. Mas não houve qualquer tipo de embate, pelo menos não um que fosse demasiado doloroso. Em vez de fazer aquilo que ela esperara, Hyun havia-se colocado de tal forma que o tronco de Yuu lhe acentava quase perfeitamente nas costas. A partir desta posição, Hyun conseguiu atirar a sua filha pelo ar: bastou-lhe transportar o peso dela consigo enquanto se levantava, e tal tarefa foi muito facilitada pelo impulso que Yuu adquirira com a corrida até junto dele.
Hyun observou a sua filha embater com a base das costas no tronco de uma árvore próxima. Uma expressão de dor aguda possuiu o rosto da jovem, enquanto voltava a cair ao chão pela terceira vez nessa tarde.
Yuu tentou endireitar-se, a sua respiração ofegante a abafá-la lentamente. Quase não se conseguia mover: apesar de apenas ter sido atingida pelo pai três vezes, sentia os seus músculos tão doridos como se já estivesse a enfrentar o pai há horas.
-Não me digas que isso é tudo o que tens? - Inquiriu o homem, juntando um aceno de desaprovação ao seu olhar desapontado. - Sou-te honesto, pensei que valesses mais que isso. É melhor pararmos por aqui, antes que te partas aos bocados.
Yuu assumiu um rosto carrancudo perante a última observação do pai, simultaneamente aceitando a mão que este lhe estendia para a ajudar a levantar-se. Ergueu o seu corpo a custo, sentindo-se bem ciente de todos os músculos do seu corpo: especialmente daqueles que o seu pai havia atingido.
-Era impossível eu contra-atacar. Já sabia isso desde o início.
-Não sejas derrotista. - Repreendeu-a Hyun, dando-lhe uma paulada na base do pescoço. - Não é uma questão de força, mas uma questão de saberes o que estás a fazer. Com os movimentos certos podes derrotar qualquer pessoa em combate corpo-a-corpo, mas isso vai exigir esforço e empenho máximos da tua parte.
Yuu anuiu, sacudindo as suas roupas.
-O que eu usei hoje contra ti faz parte daquilo que te irei ensinar. Poderia-mos chamar-lhe uma espécie de mistura entre Asshuku Tensuu e Tai Chi Chuan, mas verdadeiramente muitos dos movimentos que efectuamos em combate prático não se enquadram em nenhum dos dois. No todo, o objectivo do combatente é aperfeiçoar a suavidade e fluidez dos seus movimentos quando em combate, e aprender a aplicar pressões sobre determinados pontos do corpo do adversário para causar certos efeitos. Enfim, falo-te disso noutra altura. Agora tens outros compromissos mais importantes.
-Compro…?
-Yup, compromissos. - Hyun não deixou a sua filha terminar a questão, enterrando-lhe imediatamente um papel cuidadosamente dobrado nas mãos. - Não perdi uma manhã no escritório do Raikage para nada sabes? Agora vê se aproveitas a oportunidade.
Antes que Yuu conseguisse dizer fosse o que fosse em protesto, ou perguntar fosse o que fosse, já o pai havia desaparecido envolto numa nuvem de fumo esbranquiçado. Yuu bufou ao de leve. Sentia-se completamente estourada, apesar de o pequeno ‘treino’ com o pai ter sido tudo menos produtivo. Pelo menos parámos antes que ele me desmembrasse…
Com um suspiro cansado e aborrecido, Yuu começou a desdobrar o papel que o pai lhe havia entregue.

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