Há uma semana, o patriarca da família Endo não dormia direito. Ele ficava remoendo as poucas palavras que o homem lhe dissera em segredo, ao devolver seu filho após o término de mais um dos experimentos. Sirene, sua esposa, já o perguntara por duas vezes o que acontecia, tentando entrar na carapaça fictícia em sua consciência, enrijecida pela dúvida e preocupação. Mas preferiu guardar para si e investigar. Precisava investigar, antes de julgar. E foi assim que resolveu investigar Kimura e Saiako. A jovem havia saído para mais uma missão, enquanto sua esposa e Kimura haviam saído para fazer as compras do mês. -
Agora seria a chance perfeita. - Sussurrou enquanto saía da cozinha e subia os degraus até a porta do quarto de sua filha. Vacilou por um momento, e até fez menção de bater à porta. Força do costume. Mas caiu em si, girou a maçaneta e empurrou vagarosamente a porta que rangeu até alcançar a parede de madeira, deixando um quarto simples e organizado à mostra.
Não havia nada que indicasse que ali morava uma mulher de dezoito anos. A cama perfeitamente alinhada, com pequenos chinelos à beira da cabeceira. Himura viu alguns livros genéricos. "Táticas do Amasso" era o título de um deles. O homem ruboresceu em pensar porque sua filha lia aquele tipo de literatura, mas mesmo assim, resolveu continuar a busca por qualquer coisa suspeita. Olhando em volta, resolveu vasculhar a bancada de estudos. Nada demais à vista. Mais alguns livros, bem como estojos de material escolar. Ele deslizou as mãos nas laterais do móvel na esperança de encontrar alguma gaveta secreta, mas nada. Virou então para o guarda-roupa de portas corrediças, e quando arrastou a porta para lateral, tomou um grande susto quando uma rajada de vento um pouco mais forte jogou a cortina sob a cômoda e derrubou alguns lápis que descansavam num vaso. Nada quebrou. Apenas mais um ruído na casa vazia.
Assim, recuperado do susto, terminou por abrir o móvel e percebeu algo estranho: Pendurados em três cabides de madeira, somente três quimonos. Abriu então as pequenas gavetas, onde supostamente Saiako guardava suas roupas íntimas e mais uma vez se surpreendeu, pois apenas uma calcinha estava lá. Em resumo, apesar de extremamente organizado, parecia que sua filha não morava mais naquele local. -
Para onde foram todas as roupas?! - Sussurrou descontroladamente enquanto revirava o restante do quarto, mas como previsto, havia apenas alguns objetos sem qualquer importância para ela. Sentindo-se ultrajado, sentia uma tremenda vontade de perguntar a sua esposa do porque ela não havia percebido o que se passava. Mas precisava se acalmar. Precisava parar de julgar. Alguma coisa acontecera que a fizera fugir.
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Mas o que? - Perguntava-se enquanto saía do quarto de sua filha e atravessava o corredor até o quarto de Kimura. A porta estava aberta e ele pôde ver que tudo estava no mesmo lugar desde a última vez que entrara ao deitar seu filho inconsciente na cama. Kimura não era conhecido por sua organização, como sua irmã. Bagunceiro, Himura deu um passo para trás quando abriu o armário e muitos objetos despencaram ao chão. Eram equipamentos ninja, livros, até roupas sujas. -
Pff... - Sorriu desconcertado, pois aquela "normalidade" o deixava tranquilo. Revirou com os pés a bagunça, mas não havia nada demais entre os inúmeros objetos que o garoto tentava esconder de sua mãe. Foi até a escrivaninha onde mais uma vez ficou aliviado, pois tudo estava em ordem. Aquilo o tranquilizou ainda mais. Tanto que se sentou na cama de Kimura e vislumbrou a linda tarde que se pronunciava, enquanto o vento fazia as filhas do velho carvalho caírem vagarosamente ao chão.
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Querido! Chegamos! Pode nos ajudar com as compras? - Gritou sua mulher da cozinha.
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Vem logo pai, tem muita coisa! - Completou Kimura, num gemido de esforço.
Himura sorriu e apoiou as mãos na cama para se levantar. Mas quando sua mão alcançou o travesseiro, sentiu a consistência de um papel. O travesseiro estava enrolado pela pesada colcha de pano, mas mesmo assim, conseguiu sentir algo. Rapidamente puxou o pano para fora do colchão, quando o pedaço de papel voou pelo quarto e flutuou à sua frente como que desdenhasse de sua curiosidade. -
Mas o que é isso? - sussurrou tentando se acalmar, enquanto "pescava" o papel em pleno ar com rápidos movimentos. Apressadamente, pois logo seu filho subiria os degraus, Himura girou o papel até que pudesse ver o que tinha escrito. Não era muita coisa. Pequenas frases escritas, num papiro elegante e de cor rosada.
Aquelas frases que fizeram o velho ninja tremer, apesar de sua grande experiência. Seus medos havia se concretizado. Ali, em suas mãos, sua filha escrevia para Kimura, apesar de todos os avisos e pedidos de discrição quando fizeram o pacto de manter tudo em segredo. O homem tinha razão. O brutamonte o havia alertado quanto a isso, mas Himura preferia não pensar nisso, pois considerava aquilo como apenas uma mentira para brincar com sua inteligência e desviar sua atenção para as falhas do projeto. Ela estava traindo o principal objetivo de seu clã. Sabia que isto não poderia ficar impune. -
Por favor... não posso conceber... - Sussurrava enquanto lia mais uma vez o papel. Era verdade.
- Citação :
"Você está sendo usado por sua própria família. Se é que você pode chamar disso, meu irmão de postiço. Encontre-me na cacheira Hokairo ao meio-dia que explicarei tudo.
Ass.: Saiako"
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Essa garota ultrapassou o limite do aceitável! - Gritou Himura com fúria ao amassar o bilhete violentamente, acabando por mastigá-lo para destrui-lo. Só então olhou para o relógio na parede do quarto do garoto e viu que estava quase na hora indicada. A cachoeira estava distante, e precisava se apressar se não quisesse causar alguma desconfiança para Saiako. Descendo as escadas em rápidos e ágeis saltos. O homem atravessou a cozinha sem sequer olhar para os dois que descarregavam as compras distraidamente. Kimura e sua mãe olharam para o vulto que passara, assustando-se e logo se entreolharam à procura de alguma explicação. Mas logo viram seu pai saltar o alto muro da residência e ganhar a rua, perdendo-se de vista. Kimura sentiu um calafrio e deixou sua mãe sozinha, correndo até seu quarto, onde viu sua cama desfeita. Algo lhe dizia que algo saíra muito errado. Muito errado mesmo. Mas para quem?
CONTINUA...