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Porque não consigo sentir nada? - Pensava Kimura ao ver o cortejo fúnebre que se dirigia ao jardim do Clã Hebi. Aos prantos, sua mãe estava ajoelhada junto ao caixão fechado, onde uma foto antiga de Saiako sob um pequeno altar com algumas flores brancas esclarecia de quem era o funeral. Seu pai, enquanto isso olhava com pesar a cerimônia, acendendo incensos, circundando a tenda montada especialmente para o triste evento. No canto esquerdo, logo abaixo das cerejeiras, um sacerdote com vestimentas negras fazia suas orações iniciais, as vezes confundindo-se com os gemidos de dor da matriarca da família. Sentado ao lado de seu irmão que acabara de chegar, Kimura se sentia mal por não conseguir expressar a dor que o momento exigia, e rezava para que ninguém o olhasse e lesse em seus olhos sua falta de emoção. Ele apenas se lembrava dos difíceis momentos em que sua irmã o havia colocado. Dos maltratos e conspirações que ela o metera. Talvez fosse por isso que neste momento não conseguia sentir nada. Absolutamente nada, pois tudo acontecera rápido demais. Sempre foram distantes. Entretanto, nos seus últimos meses, Saiako havia se aproximado dele como deveria desde que nascera. Apesar de rude, ela soube mostrar afeto. Talvez estivesse adivinhando o pouco tempo que tinha. Foi tudo tão depressa.
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Ela morreu como uma verdadeira guerreira! - Dizia o sacerdote indicando a nobreza de seu sacrifício. Reiniciando a oração fúnebre. Não havia muita gente no local. Apenas alguns raros amigos da família e dois representantes do Kage preenchiam os poucos lugares, onde uma dezena de almofadas vazias evidenciava que aquela família não era querida em seu meio. -
Ela estava em missão, mas foi emboscada. - Sussurrava-lhe seu pai, tentando justificar o que poderia ter acontecido. -
Vamos esclarecer isso. Eu prometo. - Terminava com estranha firmeza. Mesmo assim, Kimura não conseguia sentir qualquer coisa que fosse. Até que uma garota surgiu entre as flores do portal de madeira na entrada da residência e sorriu sem jeito ao notar que todos na tenda a fuzilaram com olhares sérios. Katsume estava linda. Vestida num quimono negro, ela trazia seus cabelos negros presos à nuca, enquanto uma mecha atrapalhava sua visão no olho esquerdo. Seus olhos celestiais foram a única coisa que Kimura desejou ver naquele momento. Rapidamente ela fez um sinal para que o garoto se aproximasse. Kimura pediu licença a seu pai e irmão, dirigindo-se até a entrada, onde sua amada o aguardava com uma seriedade lúgubre e desconfiada.
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Como você está? - Sussurrou em seu ouvido.
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Não sinto nada. - Respondeu Kimura, para a surpresa da garota.
Aquelas palavras haviam saído como um desabafo inadequado. Mas preferia dizer a verdade a Katsume a tentar dissimular uma emoção que não sentia. E sem dizer mais uma palavra, a garota o abraçou forte. Seu calor e a força de seu abraço fizeram o coração do garoto transbordar. Como uma represa, a tristeza que não sentia o acertara como um trem descarrilhado. Kimura soluçou e pela primeira vez naquele dia, chorou profundamente. Chorou porque agora, de sua mente, apenas boas lembranças de Saiako eclodiam num redemoinho de saudade. -
Por aqui. Tenho algo a lhe dar. - Disse Katsume, agarrando sua mão, afastando-os para o lado de fora da cerimônia. Com a visão periférica, Kimura notou que seu pai os fitava até que saíram de seu campo de visão. O chunnin ainda chorava quando a garota retirou uma foto de seu bojo e a mostrou. -
Reconhece essas pessoas? - Disse com uma seriedade que nunca vira. Kimura enxugou os olhos com dificuldade, controlando-se para não chorar novamente e olhou para a foto já amarelada pelo tempo. -
Não sei quem são. - Respondeu apressadamente. Mas logo uma coisa lhe chamou a atenção. Chocado, reconheceu seu pai e mais alguém. Estavam em um parque-de-diversões, abraçados, sorriam felizes como dois enamorados.
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Quem é essa com meu pai? - Perguntou indignado.
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Não vês a semelhança? - Retrucou Katsume com empenho.
Kimura apertou os olhos que ainda ardiam das lágrimas e percebeu que a mulher da fotografia se parecia muito com sua mãe. Entretanto, ela não trazia qualquer traço de palidez característico de seu clã. Seus olhos eram normais, e não tinham pupilas verticais como hoje trazia. Seu cabelo negro era de longe mais sedoso que o atual. Mas como poderia? Afinal, os membros do Clã sempre se casaram entre si para proteger o segredo da família, foi o que lhe disseram. Mas naquela foto, sua mãe ainda não era uma Hebi. Ela se transformara já adulta. Mas como? Milhões de perguntas envolveram a mente do jovem que agora olhava ansiosamente para o vazio tentando processar aquilo. Seus pais haviam mentido sobre como se conheceram, não parecia que fora um casamento arranjado entre os membros do Clã. Então... Ele poderia ficar com Katsume! Se ela estivesse disposta a ser transformada! Esta novidade preencheu seu coração com esperança e uma estranha felicidade. Finalmente seria recompensado e enfim terminaria seus dias com o amor de sua vida. -
Ei! Aonde você vai? - Perguntou Katsume ao vê-lo caminhar para dentro da tenda com a fotografia em punho. Sem ouvir os apelos de sua namorada, Kimura sentiu um fortíssimo puxão em seu braço que o fez cair e ser arrastado antes que pudesse adentrar no recinto. Katsume o puxava com violência se distanciando do funeral mais uma vez.
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O que você está fazendo! Preciso falar com meus pais! - Exclamou o jovem, tentando não chamar atenção.
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Não! Agora não! Saiako me confiou esta foto. Ela sabia que algo de ruim aconteceria com ela. - Respondeu ruborescida pelo esforço.
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Foi ela que te deu isso? Por quê? Como? Quando foi que aconteceu? - Insistia Kimura.
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Numa tarde, ela surgiu e insistiu que lhe mostrasse esta foto se algo lhe acontecesse. - Contou a garota. -
Veja atrás da foto.-
Está bem! Mas me solta! - Kimura girou a fotografia e viu o recado de sua irmã:
- Citação :
37.771008, -122.41175
Procure por Junchei.
O jovem ficou sem saber o que fazer. Queria ir até seus pais buscar alguma explicação. Só então se lembrou de que sua irmã o avisara durante o torneio de que não deveria confiar neles. E após os apelos de Katsume, o chunnin resolveu guardar para si a foto e investigar as coordenadas indicadas no verso da figura. E enquanto a cerimônia prosseguia, ele e Katsume subiram até o quarto de Kimura com velocidade, onde ele desenterrou um velho mapa da região guardado no fundo de seu armário bagunçado. Passou o braço sobre a bancada com violência para liberar espaço, derrubando todo o material que ali havia e esticou o mapa para então verificar a fotografia. E após alguns segundos de suspense, a ponta de seu dedo indicou aonde deveria ir. Um pequeno lago que fica numa minúscula ilha perto da fronteira com o país do fogo. -
Arrumarei minhas coisas. Partirei amanhã. - Disse secamente. Katsume sorriu para ele, encorajando-o. Logo os dois saíram da residência, o como se nada tivesse acontecido, acompanharam o restante da cerimônia e do cortejo até o cemitério, onde sua irmã foi enterrada com honrarias. Kimura não chorou mais. Estava chocado com tudo que lhe fora escondido. Havia motivos para desconfiar de seu pai. Principalmente a maneira com que ele saiu de casa às pressas, horas antes em que receberam a notícia da morte de sua irmã.
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Pai. Onde você foi com tamanha pressa? - Sussurrou Kimura no momento em que retornavam a casa.
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Nada demais. É que quase perco a hora numa negociação. - Respondeu sem qualquer mudança de comportamento.
CONTINUA...